
Um relatório sigiloso da Comissão de Valores Mobiliários (CVM) revelou indícios de fraudes financeiras envolvendo o Banco Master, instituição privada com sede em São Paulo. A investigação aponta que o banco teria investido R$ 2,1 bilhões em empresas sem capacidade financeira comprovada, entre elas, uma clínica médica com fachada simples e receita anual de apenas R$ 54 mil.

Os aportes milionários, conforme o documento obtido com exclusividade pelo jornal O Estado de S. Paulo, teriam inflado artificialmente o patrimônio do banco, supostamente para tornar a instituição mais atrativa no mercado financeiro. Parte dos recursos também teria sido destinada a empresas ligadas à irmã do dono do banco, Daniel Vorcaro.
A CVM afirma que a operação pode comprometer “severamente a solidez patrimonial” da instituição e vê potencial ocorrência de crime de gestão fraudulenta, previsto na Lei nº 7.492/1986. A pena pode variar de 3 a 12 anos de prisão.
O caso mais grave envolve a empresa Clínica Mais Médicos S.A., localizada em Contagem (MG). Com estrutura considerada “rudimentar” e sem histórico de receita compatível, a clínica foi usada para emitir notas comerciais no valor de R$ 361 milhões, tendo o Banco Master como único investidor.
A clínica, de acordo com o relatório da CVM, está registrada em nome de uma mulher que atuava como recepcionista em outra empresa e vive em um imóvel modesto, sem qualquer patrimônio compatível com os valores movimentados. Para a autarquia, trata-se de uma “laranja” usada para ocultar os reais beneficiários das operações.
“O valor total recebido pela empresa supera em mais de 6.500 vezes a receita bruta apurada em 2023”, aponta o parecer técnico.
A CVM identificou ainda outros aportes milionários feitos via notas comerciais — instrumentos usados para captar recursos no mercado de capitais. As emissões foram intermediadas pela Laqus Depositária de Valores Mobiliários, que declarou apenas custodiar os títulos, sem envolvimento direto nas decisões de investimento.
Segundo o relatório, os R$ 2,1 bilhões investidos entre 2022 e 2025 envolveram dez empresas. Há indícios de vínculos societários ou operacionais com familiares de Daniel Vorcaro, controlador do banco, o que levanta suspeitas de uso do fundo de investimento CITY 02, ligado ao banco, para beneficiar empresas relacionadas ao grupo.
CVM apontou que a fachada da clínica tem uma estrutura 'demasiadamente rudimentar' e não reflete os aportes milionários recebidos - (Foto: Washington Alves/Estadão)
A CVM conclui que essas operações maquiaram o balanço da instituição, inflando o patrimônio líquido, que subiu de R$ 2,3 milhões em 2023 para R$ 4,7 milhões em 2024. A autarquia alerta que, em caso de inadimplência desses ativos, a solidez do banco pode ser severamente comprometida.
As suspeitas surgem em meio à proposta de venda de 58% do Banco Master ao BRB (Banco de Brasília) — negócio que vem sendo analisado pelo Banco Central e contestado pelo Ministério Público do Distrito Federal.
A venda conta com resistência interna no BC e não é bem vista pelo ministro da Fazenda, Fernando Haddad, segundo apuração do Estadão. A possível aquisição por um banco estatal levanta dúvidas sobre risco fiscal, caso a instituição compradora venha a absorver um banco com passivos ou inconsistências no balanço.
Notas oficiais
Banco Master
Em nota, o Banco Master afirmou que não mantém relação com a Laqus e que os créditos citados foram “integralmente quitados”. A instituição também criticou a divulgação das informações:
“Nunca fomos formalmente solicitados pela CVM a prestar esclarecimentos. Consideramos inadmissível a abertura de procedimentos com vazamento seletivo de informações à imprensa.”
O banco disse ainda que tomará medidas nas esferas administrativa, civil e criminal para proteger sua imagem.
Clínica Mais Médicos S.A.
A empresa declarou que atua no setor de saúde há mais de 30 anos e que todas as transações com o Banco Master foram quitadas sem pendências financeiras. Em nota, afirmou:
“Recebemos com surpresa os questionamentos e reafirmamos o compromisso com a ética e a conformidade regulatória.”
CVM vê indícios de crime e aciona órgãos de controle
A Procuradoria Federal Especializada junto à CVM ratificou o relatório, indicando a existência de indícios consistentes de gestão fraudulenta de instituição financeira. O parecer foi enviado a órgãos de controle e ao Banco Central, que agora devem decidir se avançam com a investigação criminal e medidas administrativas.
