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SAÚDE PÚBLICA

Estigma e diagnóstico tardio ainda são barreiras no cuidado com pessoas com demência no Brasil

Especialistas apontam falhas na formação médica e defendem implementação da Política Nacional de Demência com foco em prevenção e dignidade

2 novembro 2025 - 10h45Ocimara Balmant
Painel 'O cérebro no centro de tudo' do Summit Saúde e Bem-Estar discutiu o cenário das demências no Brasil
Painel 'O cérebro no centro de tudo' do Summit Saúde e Bem-Estar discutiu o cenário das demências no Brasil - (Foto: Helcio Nagamine/Estadão)

O diagnóstico de demência ainda é um desafio no Brasil. Apesar dos avanços científicos e da criação de uma política nacional voltada para o cuidado de pessoas com a doença, oito em cada dez brasileiros que convivem com algum tipo de demência sequer sabem que a possuem. O dado, apresentado durante o Summit Saúde e Bem-Estar, promovido pelo Estadão, revela uma realidade alarmante e reforça a necessidade urgente de ações estruturadas.

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“A demência é uma das principais causas de incapacidade no mundo e tende a crescer. Mas o diagnóstico ainda é desigual e depende muito da região onde o paciente vive”, alertou Cleusa Ferri, professora da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp) e integrante do Comitê de Políticas Públicas sobre Demência do Ministério da Saúde.

Segundo a pesquisadora, muitos profissionais de saúde não estão preparados para identificar sinais da doença, o que contribui para o subdiagnóstico. “É comum que o paciente com demência esteja sendo acompanhado por hipertensão ou diabetes, mas sem que sua condição cognitiva seja investigada”, explicou.

Capacitação médica ainda é insuficiente - A falta de formação adequada durante a graduação também é um fator limitante. Claudia Suemoto, professora de geriatria na Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (USP), relatou que, durante sua formação, teve apenas uma aula sobre demência, com duração de duas horas.

“É essencial incluir o tema na formação inicial e continuada de médicos, especialmente de áreas que têm contato frequente com idosos, como cardiologistas, ginecologistas e médicos da família”, defendeu.

Avanços científicos e acesso restrito - Embora já existam exames aprovados pela Anvisa que auxiliam no diagnóstico da doença, como os marcadores biológicos, esses recursos ainda são caros e estão fora do alcance do Sistema Único de Saúde (SUS). “A maioria da população depende do SUS, e esses exames ainda não estão disponíveis na rede pública”, explicou Eduardo Zimmer, professor da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), com apoio do Instituto Serrapilheira.

Segundo Zimmer, uma nova geração de exames de sangue mais acessíveis deve facilitar os diagnósticos nos próximos anos. “É uma tendência mundial. A ciência está avançando e, com o tempo, essas ferramentas vão chegar à ponta do sistema.”

O peso do estigma - Além das dificuldades estruturais, especialistas apontam outro obstáculo silencioso: o estigma social. “Existe um imaginário coletivo de que perda de memória é algo normal com a idade. Isso atrasa o cuidado e impede que a doença seja encarada com seriedade”, afirmou Elaine Mateus, presidente da Federação Brasileira das Associações de Alzheimer (Febraz).

Ela criticou a predominância do discurso biomédico, que enxerga a demência apenas pelo viés da perda. “É uma condição que impõe desafios, mas que também pode permitir trajetórias com dignidade e qualidade de vida.”

Elaine reforçou ainda a importância dos tratamentos não medicamentosos, como terapias motoras, sociais e afetivas, que, segundo ela, têm eficácia comprovada. “Essas abordagens são fundamentais, mas ainda pouco valorizadas. E o diagnóstico precoce é essencial para garantir acesso a essas terapias no momento certo.”

Política Nacional de Demência: avanços e desafios - Aprovada em 2024, a Política Nacional de Cuidado Integral às Pessoas com Doença de Alzheimer e Outras Demências representa um avanço institucional. No entanto, para os especialistas, ainda falta estrutura para sua implementação efetiva.

“Temos uma lei, mas precisamos colocá-la em prática. O SUS já oferece cuidados geriátricos e paliativos, mas falta integração entre prevenção, diagnóstico e apoio a pacientes e familiares”, observou Cleusa Ferri.

Ela defendeu a criação de uma governança intersetorial e recursos financeiros para garantir a execução das ações previstas. “Sem isso, a política não passa de um documento no papel.”

A prevenção é possível - Os especialistas também destacaram que muitos casos de demência podem ser evitados ou adiados. Eliminar fatores como tabagismo, sedentarismo, hipertensão e baixa escolaridade poderia reduzir pela metade a incidência global da doença, segundo estudos recentes.

“O maior fator de risco é a baixa escolaridade. Investir em educação desde a infância é investir em saúde mental a longo prazo”, enfatizou Claudia Suemoto.

Para Elaine Mateus, cuidar da demência também é garantir esperança. “Mesmo que a cura ainda não exista, é possível oferecer uma vida digna. E isso muda completamente a forma como a doença é percebida.”

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