
Na noite de 22 de setembro de 2021, um voo de treino que parecia simples terminou com um avião capotado e dois pilotos feridos, em Uberlândia, Minas Gerais. O avião, um Cessna 152 de prefixo PR-UDI, realizava um voo de instrução com um aluno e um instrutor. Era para ser apenas uma prática de pousos e decolagens rápidas, mas a falta de planejamento e o uso de uma pista com problemas transformaram o exercício em acidente.

O relatório final da investigação, feito pelo CENIPA, foi divulgado no último dia 20 de maio de 2025. Segundo o documento, o voo deveria ter ido até o aeródromo de Tupaciguara, mas, por conta do atraso na saída e da proximidade do pôr do sol, os dois pilotos mudaram o destino pouco antes da decolagem. Escolheram o aeródromo Quatro Ventos, em Uberlândia mesmo, para fazer o exercício de “toque e arremetida” — uma manobra comum no treinamento de pilotos.
A decisão foi tomada sem que fosse feito um “briefing” — nome usado na aviação para o momento em que os pilotos conversam com calma sobre os procedimentos, o local de pouso, os riscos e os detalhes técnicos da operação. A falta dessa conversa antes do voo foi um dos principais problemas apontados pelos investigadores.
O aeródromo Quatro Ventos era um local privado, com pista de terra. Na data do acidente, não havia nenhum aviso oficial impedindo pousos ali. Mas, segundo o relatório, a pista estava em condições ruins: era estreita, irregular e com muitos trechos arenosos. A parte segura para pouso tinha apenas 10 metros de largura, mesmo que a pista completa tivesse 48 metros.

O mais grave é que, dentro do Centro de Instrução de Aviação Civil (CIAC), que organizava o treinamento, já havia sido falado que aquele local não deveria ser usado para voos de instrução. Essa proibição foi informada em reuniões do grupo, mas de forma verbal, sem anotações nos documentos. O instrutor do voo, que participou de poucas dessas reuniões por morar longe e ter outro emprego, disse aos investigadores que não sabia da restrição.
O voo seguiu mesmo assim. Os pilotos fizeram dois circuitos de aproximação. No segundo, durante o pouso, a aeronave desviou para a direita e perdeu o controle. Andou cerca de 70 metros e capotou logo depois de tocar o chão. O instrutor e o aluno tiveram apenas ferimentos leves, mas o avião sofreu danos sérios.
Depois do acidente, os flapes do Cessna PR-UDI foram encontrados recolhidos. Esses flapes são partes da asa que ajudam o avião a pousar com mais estabilidade e menor velocidade. Os dois pilotos disseram que usaram os flapes em 10 graus e pretendiam abrir mais na fase final do pouso. Mas, como os flapes estavam recolhidos, é possível que o aluno tenha esquecido de configurá-los corretamente — e que o instrutor não tenha conferido.
A decisão de qual lado da pista usar também foi feita com base em informações de vento de outro aeroporto, o de Uberlândia (SBUL), que fica a 9 milhas náuticas de distância. Os dados usados mostravam vento lateral com força acima do limite recomendado para o modelo Cessna 152, o que também aumentou o risco da operação.

O relatório destacou que o instrutor possuía licença de Piloto Comercial e estava com habilitações atualizadas. O aluno também estava regular, com habilitação de Piloto Privado e treinamento para se tornar Piloto Comercial. Ambos tinham certificados médicos válidos. A aeronave estava com a manutenção e documentação em dia, e voava dentro dos limites de peso. As condições do tempo eram boas e não representavam risco naquele momento.
O CENIPA concluiu que o acidente foi causado por uma sequência de decisões e falhas: a mudança de plano feita em cima da hora, a ausência de briefing, o desconhecimento sobre a pista, a falta de verificação dos flapes, o uso de informações incompletas sobre o vento, e a operação em uma pista fora dos padrões. Todas essas falhas criaram uma situação em que o controle do avião foi perdido.
Como forma de prevenção, o CENIPA recomendou à Agência Nacional de Aviação Civil (ANAC) que acompanhe mais de perto as operações do Aeroclube de Uberlândia. A ideia é reforçar os cuidados com o planejamento dos voos, verificar se as pistas usadas estão em boas condições e garantir que todos os treinamentos sejam feitos de forma segura.
O acidente com o PR-UDI não teve vítimas graves, mas serve de alerta. Mesmo voos simples exigem atenção, organização e respeito às regras. Na aviação, improviso e falta de cuidado podem transformar um exercício de rotina em um susto desnecessário — ou pior.
