
Treze entidades da sociedade civil denunciaram à Organização das Nações Unidas (ONU) o Projeto de Decreto Legislativo (PDL) 3/2025, aprovado na Câmara dos Deputados na quarta-feira (5), que revoga a Resolução 258/2024 do Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente (Conanda). O texto sustado traz orientações para o atendimento de meninas e adolescentes grávidas após estupro, garantindo o acesso ao aborto legal, conforme previsto em lei.
A denúncia foi encaminhada nesta sexta-feira (7) ao Grupo de Trabalho das Nações Unidas sobre Discriminação contra Mulheres e Meninas. Assinam o documento organizações como Conectas Direitos Humanos, Coletivo Feminista Sexualidade e Saúde, Católicas pelo Direito de Decidir, Anis - Instituto de Bioética e Ipas Brasil, entre outras.
Diretrizes não criam novos direitos, mas regulamentam atendimento - Segundo as entidades, a resolução do Conanda não altera as permissões legais do aborto no Brasil – que continuam restritas a três casos: estupro, anencefalia do feto e risco de morte para a gestante. O objetivo do texto, explicam, é preencher lacunas e regulamentar como o atendimento deve ser feito em casos que envolvem crianças vítimas de violência sexual.
Entre os pontos centrais da norma, está a obrigação dos serviços de saúde de oferecer à vítima a possibilidade de interromper a gestação, sem exigir boletim de ocorrência ou autorização judicial. O texto também determina que a vontade da criança deve ser considerada, não apenas a de pais ou responsáveis, e reforça que a recusa dos profissionais em realizar o procedimento com base em dúvidas sobre o relato da vítima é uma conduta discriminatória.
A resolução, afirmam as organizações, “está de acordo com os padrões internacionais de direitos humanos para os cuidados do aborto, preconizados pela Organização Mundial da Saúde, e, na prática, regulamenta o acesso ao aborto legal previsto no Código Penal de 1940”.
Medida pode prejudicar meninas em situação de vulnerabilidade - No documento enviado à ONU, as entidades denunciam que a derrubada da resolução representa grave ameaça aos direitos de meninas que engravidam após estupro, muitas delas em situação de extrema vulnerabilidade. “Os deputados votaram por condenar meninas a enfrentar, de forma forçada, uma gravidez resultante de estupro”, diz o texto.
As organizações alertam que, caso a resolução seja suspensa, o aborto legal poderá deixar de ser oferecido em unidades de saúde ou ser recusado com base na exigência de boletim de ocorrência, o que não é obrigatório por lei. Isso, afirmam, compromete o acesso das vítimas ao direito previsto e abre espaço para a negação arbitrária do procedimento.
O grupo pede que o Grupo de Trabalho da ONU, bem como outras relatorias especiais, pressione o Senado brasileiro a rejeitar o PDL 3/2025 e mantenha em vigor a Resolução nº 258/2024, como forma de proteger os direitos de crianças e adolescentes.
Dados revelam violência sexual infantil recorrente no Brasil - Segundo a campanha “Criança não é mãe”, que reúne parte das entidades signatárias da denúncia, o Brasil registra um estupro a cada seis minutos. Entre as vítimas, 75% têm menos de 18 anos, e mais da metade delas – 61,6% – têm até 13 anos. Em média, cerca de 20 mil meninas se tornam mães todos os anos no país.
Os dados também apontam que, em 67,9% dos casos, a violência ocorre dentro da própria casa, sendo praticada por familiares ou pessoas próximas em 83,9% das situações. Esses números, afirmam as entidades, evidenciam a urgência de garantir o acolhimento e os direitos reprodutivos dessas vítimas.
Projeto divide opiniões no Congresso - O PDL 3/2025 é de autoria da deputada federal Chris Tonietto (PL-RJ), com apoio de parlamentares majoritariamente ligados à bancada evangélica. Os defensores do projeto argumentam que a Resolução 258/2024 extrapola as competências do Conanda ao sugerir a dispensa de documentos como o boletim de ocorrência.
Outro ponto questionado é a previsão de penalidades a profissionais de saúde que se recusarem a realizar o procedimento com base em dúvidas sobre o relato da vítima. Segundo os autores, isso fere o direito à objeção de consciência. “A gente combate (o estupro) com fortalecimento da segurança pública. Sem contar que sequer é exigido o boletim de ocorrência”, disse Chris Tonietto durante a sessão que aprovou o projeto.
Agora, o texto segue para votação no Senado. Caso aprovado, a Resolução 258/2024 perderá validade, eliminando as diretrizes para garantir o aborto legal em meninas vítimas de estupro.

