
Na madrugada desta terça-feira (03.9), enquanto muitos ainda dormiam, Paris foi palco de um acontecimento que passou despercebido por grande parte do mundo, mas que se tornou um marco na vida de um atleta brasileiro. Yeltsin Jacques, um nome que talvez não seja familiar para muitos, cruzou a linha de chegada dos 1.500 metros nas Paralimpíadas, não apenas como vencedor, mas como novo recordista mundial.

O desconhecido herói do Mato Grosso do Sul - Yeltsin Jacques nasceu em Campo Grande, Mato Grosso do Sul. Mas, desde jovem, Yeltsin mostrou que não se conformaria em ser mais um na multidão. Diagnosticado com uma condição que comprometeu sua visão, Yeltsin encontrou no esporte uma maneira de enxergar o mundo de outra forma. Correr se tornou uma forma de liberdade, uma maneira de desafiar os limites impostos por sua condição.
O que poucos sabem é que o esporte paralímpico não é apenas uma competição de superação pessoal, mas também um espaço de disputa acirrada e intensa preparação. Yeltsin, que compete na categoria T11, destinada a atletas cegos, treina incansavelmente, guiado por uma equipe que inclui técnicos, fisioterapeutas e, claro, seu guia, que o acompanha em todas as corridas, garantindo que ele se mantenha na pista e siga o caminho certo. É uma dança complexa entre o corredor e seu guia, onde a confiança é absoluta e o ritmo, sincronizado.
A noite em que tudo mudou - Nesta madrugada em Paris, Yeltsin correu os 1.500 metros em 3 minutos, 55 segundos e 82 centésimos, tempo suficiente para bater o recorde mundial. Não foi apenas uma vitória, foi a consagração de anos de trabalho duro. O atleta que pouco é conhecido fora do circuito paralímpico brasileiro agora tem seu nome gravado na história do esporte.
Mas a conquista de Yeltsin não foi solitária. No pódio, ele dividiu o espaço com outros dois atletas que, de maneiras diferentes, também lutam suas batalhas. O etíope Silesh Yigzaw levou a prata, e o brasileiro Júlio César Agripino, de São Paulo, ficou com o bronze. Agripino e Yeltsin têm uma história curiosa de rivalidade. Eles vêm se alternando no topo do pódio em diversas competições. No Campeonato Mundial deste ano, no Japão, Yeltsin venceu os 5.000 metros, enquanto Agripino dominou os 1.500 metros. Nas Paralimpíadas de Paris, os papéis se inverteram, mas o respeito entre os dois permanece intacto.
O ouro que brilha além do pódio - Para além das estatísticas e dos recordes, a vitória de Yeltsin tem um significado maior. Ela reforça a presença do Brasil no cenário paralímpico global. Atualmente, a delegação brasileira acumula 13 medalhas de ouro, 9 de prata e 19 de bronze nesta edição dos Jogos. Yeltsin, com suas quatro medalhas paralímpicas — três de ouro e uma de bronze —, se torna um símbolo dessa força.
E há uma curiosa coincidência: Yeltsin será o padrinho da Corrida do Pantanal, marcada para o dia 22 de setembro. O evento, que acontecerá aqui em Campo Grande, sua terra natal, e promete ser uma celebração não só de sua vitória, mas também do espírito esportivo que ele encarna. Para muitos dos que estarão lá, Yeltsin não será apenas um atleta; ele será um herói local, alguém que mostra que, mesmo quando as condições são adversas, é possível enxergar longe, muito além do horizonte.
O que fica para o futuro - Yeltsin Jacques nos lembra que o esporte vai além dos holofotes. É sobre trabalho silencioso, sobre a confiança entre um atleta cego e seu guia, sobre a força de uma comunidade que apoia. Em um mundo onde as conquistas são, muitas vezes, mensuradas por curtidas e compartilhamentos, Yeltsin nos oferece algo mais profundo: uma história de dedicação e resiliência que, mesmo longe dos grandes centros e da fama, brilha com a intensidade de um ouro olímpico.
