
Apesar de viver um dos períodos mais vitoriosos da história recente, com os títulos do Campeonato Brasileiro e da Copa Libertadores, o Flamengo ainda convive com uma cobrança: o pouco uso de atletas da base no time principal. Em entrevista ao podcast No Princípio Era a Bola, do jornal português Tribuna Expresso, o diretor de futebol José Boto falou sobre o tema, comparou o clube ao Palmeiras e afirmou que a pressão no rubro-negro é diferente.
Segundo o dirigente, o Palmeiras está em vantagem quando o assunto é transição dos jovens para o profissional. Para ele, não se trata de ter jogadores melhores na formação, mas de como o clube paulista consegue inseri-los no time principal com menos desgaste.
“(Sobre a paciência com jogadores de base) Nisso o Palmeiras está mais à frente. Não em ter melhores jogadores na formação, é na transição que faz para o nível profissional. Nós vamos tentar caminhar nesse sentido”, afirmou Boto.
Ele contou que, para aproximar o trabalho, foi criado um canal direto com o departamento de base. “Uma das coisas que fizemos foi com o Alfredo (Almeida, diretor das categorias de base), para ter ligação direta conosco. Sabendo que são contextos completamente diferentes. O Palmeiras, apesar da grandeza que tem, não tem a grandeza do Flamengo”, disse.
Boto citou o caso do zagueiro João Victor, de 17 anos, que precisou disputar duas partidas pelo profissional. “Vou dar um exemplo: nós tivemos que fazer dois jogos com um sub-17 (João Victor) de defesa central, que não esteve mal, mas teve ali um deslize que mataram. Vai ser um zagueiro top, de Europa, em cinco, seis anos. Mas ali mataram, vai ser muito difícil voltar a jogar ali com o nível de confiança que um menino daquela idade precisa”, avaliou.
Para o diretor, as reações nas redes sociais pesam demais sobre os jovens. “A pressão no Palmeiras é diferente do Flamengo. Não estamos a falar de o jogador não estar pronto para jogar. Estamos a falar de irem à rede social do jovem, da mãe, darem cabo dele, dizerem que fez de propósito. Coisas completamente loucas que não estamos habituados na Europa”, criticou.
Ele explicou que isso influencia até nas decisões de mercado, já que o clube muitas vezes prefere contratar um jogador pronto do que insistir com um atleta da base exposto a esse ambiente. “Nós temos que levar isso em conta, e se calhar perceber que o mais correto não é ir buscar outro defesa central, porque aquele tem um potencial enorme. Mas se calhar, o mais correto naquele contexto é irmos comprar outro central e vendê-lo, deixando uma porcentagem grande para nós deste jogador”, afirmou.
José Boto projeta uma temporada de 2026 ainda mais difícil para o Flamengo, justamente pelo alto nível de cobrança depois de um ano com conquistas importantes.
“Acho que a temporada vai ser mais difícil porque não é fácil repetirmos o que fizemos. Conhecendo eu, a imprensa e a torcida, eles vão exigir o mesmo e mais ainda, mesmo que não exista mais para ganhar”, disse.
O dirigente afirmou que o clube seguirá priorizando as duas principais competições. “É bom porque o presidente tem a noção, nós vamos entrar para ganhar, mas não são todos os anos que se repete isso. Existem as duas competições que são fundamentais para nós, o Brasileirão e a Libertadores. Sabendo que a Libertadores, como toda competição eliminatória, é mais difícil de prever. Por isso, nosso objetivo sempre é sermos campeões do Brasileirão”, declarou.
Boto também falou sobre possíveis ajustes no elenco, mas descartou qualquer “revolução” no grupo comandado por Filipe Luís.
“A grande preocupação que tenho é a quantidade de férias que os jogadores vão ter para que eles limpem a cabeça. Temos tudo planejado para que o elenco seja melhor. Nunca existe um plantel perfeito, há sempre coisas a ajustar, mesmo quando achamos que está ótimo”, disse.
Segundo ele, as mudanças serão graduais. “Temos tudo isso planejado, mas não vai ser fácil repetir uma temporada como essa. (Elenco) É importante nós irmos ao longo deste percurso vendo que tipo de rendimento alguns jogadores são capazes de dar ou não, e irmos ajustando com calma, sem grandes revoluções. Porque há essa parte emocional que tem um peso enorme no Brasil e não tem tanto aqui na Europa”, comentou.
O diretor explicou que o Flamengo olha cada vez mais para o mercado europeu em busca de reforços, embora não descarte nomes da América do Sul.
“Claramente, o mercado sul-americano é neste momento pequeno para aquilo que é a realidade do Flamengo e a cultura do Flamengo. Não quer dizer que não haja no Brasil, na Argentina, no Equador, jogadores com muito potencial. Mas no Flamengo tem que trazer jogadores prontos para jogar, pela pressão que é”, afirmou.
Ele destacou que o peso do Maracanã lotado e do ambiente em torno do clube exige atletas experientes. “Isso é outra coisa que influencia muito: se não lida bem com pressão, com o Maracanã cheio, uma imprensa agressiva todos os dias... E é óbvio que jogadores com mais bagagem, mais experiência, suportam isso melhor do que outros. Além dessa ideia, há também uma ideia de trazer uma cultura mais europeia para dentro do clube”, completou.


