1º Encontro Regional MIDIACOM MS
LITERATURA

O 'legado do mal azar' atualiza folclore brasileiro

A história traz Lina que pede ajuda para reencontrar Sara, raptada por uma cobra gigante, a lendária Maria Caninana

19 dezembro 2019 - 13h48Da Redação com Assessoria
Augusto nos chama para dialogar, com potência e serenidade, em uma obra que fala de alteridade
Augusto nos chama para dialogar, com potência e serenidade, em uma obra que fala de alteridade - Foto: Divulgação/Assessoria

"Ela foi levada por uma cobra gigante!" É assim que Lina relata a Baltazar Malasartes o sumiço de sua namorada, Sara, e nos captura para seguirmos juntos as 128 páginas da HQ "O legado do mal azar", de Augusto Figliaggi.

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Vencedor do ProAC (Programa de Apoio à Cultura) voltado a projetos de criação e publicação de histórias em quadrinhos no Estado de São Paulo, a HQ é publicada pela Editora Lura, que já tem em seu histórico vasta coleção de obras sobre causos de assombração tupiniquins e também uma linha em que o folclore é revisitado.

Na obra, Lina e Baltazar, protagonista e coprotagonista, estão na cidade de São Paulo. E poderiam ser facilmente encontrados no centro entre decadentes seres encantados, cantoras com poderes mágicos e corpos amaldiçoados. A antagonista da HQ é a Maria Caninana. No folclore, ela é uma cobra, filha de um boto com uma índia. Por causa de suas perversidades, ela acaba sendo morta por seu irmão. Em O legado do mal azar, Caninana é revisitada, levanta a bandeira do extermínio e ganha um discurso extremista e autoritário, frequente nos dias atuais.

É com causos e cantigas que as referências no folclore brasileiro são ressignificadas por Augusto. "Durante a leitura, encontramos um mundo onde sobrenatural e natural se fundem, passado e presente se mesclam, polos opostos se unem e vidas se resignam ao destino", anuncia o autor.

Seguindo com o artista em sua narrativa, podemos fechar as portas para o conservadorismo e para a descrença e olhar para brechas, para enxergarmos novas saídas e universos para a existência. O folclore aqui nos faz acreditar de novo na utopia, independentemente da idade ou de quantas guerras nosso corpo já enfrentou.

Para isso, Augusto nos chama para dialogar, com potência e serenidade, em uma obra que fala de alteridade, de ver e enxergar outra pessoa e da tentativa de se colocar no lugar do outro. "Em nossa atual polarização, criei a obra também para acreditar com quem a lê de que duas pessoas bem diferentes podem conviver juntas e ainda se ajudar. O Baltazar é um cara de 50 e tantos anos, branco, hétero e tem um jeito tradicional em sua forma de dialogar e viver. E a Lina é jovem, negra e lésbica. Na relação entre os dois, suas lutas, sejam elas internas ou públicas, se manifestam", relata Augusto.

A obra atualiza o folclore tal como nossa sociedade foi transformada. Curioso lembrar que quando o folclore era intensamente vivo em nosso país, o Brasil era muito rural. "Nos anos 1970 e 1980 tivemos o êxodo rural para as cidades, e, com isso, as pessoas também mudaram. Minha vontade era de transformar essas personagens folclóricas em pessoas como nós e colocar nossas questões da contemporaneidade pertencendo a narrativa delas", comemora o autor.

Ele também lembra de que historicamente o pequeno produtor do campo e o trabalhador da periferia, que, em comum, foram para o centro da cidade à procura da sobrevivência, acabam tragados por um sistema excludente. Com as personagens folclóricas não foi diferente, o saci não tem mais onde viver, já que a expansão das cidades engoliu o terreno rural no Brasil.

Além de sua extensa pesquisa sobre folclore brasileiro, Augusto também traz para inspirar sua rede de criação nomes como o de Lourenço Mutarelli, Fábio Moon e Gabriel Bá, junto com clássicos de Dostoiévski, com destaque para "Crime e Castigo".

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