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'VEIO A NOÇÃO DA FINITUDE'

Aos 76 anos, Tony Ramos fala sobre saúde, amor, machismo e o sentido da vida após susto no cérebro

Ator relembra internação e cirurgias após hematoma subdural

8 agosto 2025 - 09h46Erem Carla
Com 76 anos, Tony Ramos reflete sobre carreira, saúde e o sentido da vida
Com 76 anos, Tony Ramos reflete sobre carreira, saúde e o sentido da vida - (Foto: Daniel Teixeira/Estadão)

Aos 76 anos, Tony Ramos mantém o brilho no olhar, o entusiasmo pela arte e o compromisso com os palcos, as câmeras e a vida pública. Com mais de 60 anos de carreira e mais de 150 personagens no currículo, ele continua em atividade intensa. Mas, para além das realizações profissionais, o ator decidiu compartilhar um relato pessoal profundo e comovente em entrevista ao jornal O Globo, após participar do videocast Conversa vai, conversa vem.

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Tony falou, entre outros assuntos, sobre o susto de saúde que enfrentou em 2024. Na ocasião, sofreu um hematoma subdural e precisou ser submetido a duas cirurgias no cérebro. Foi sua esposa, Lidiane Barbosa, quem o encontrou parcialmente inconsciente e acionou o socorro médico.

“Quando acordei na UTI, senti uma mão aqui… era Lidiane”, lembrou o ator. Ele contou que estava filmando e, pouco antes do episódio, sentiu uma dor na testa. Pediu à esposa que o acordasse quando o carro da filmagem chegasse. “Tirei o sapato e não lembro de mais nada. Quando me encontrou, Lidiane se apavorou e ligou para a médica, que mandou a ambulância.”

Tony compartilhou ainda que, mesmo na confusão mental do despertar na UTI, pensava no trabalho e citava trechos da peça que estava encenando, inclusive um poema de Fernando Pessoa. “Veio a noção da finitude”, disse.

Apesar do episódio grave e da idade, o ator não cogita parar. “Não penso em aposentadoria. Sou aposentado pela lei, e isso ninguém me tasca. Mas posso diminuir o ritmo para aproveitar um pouco mais.”

Em outro trecho da entrevista, Tony revisitou sua infância e juventude. Criado por mulheres fortes – sua mãe e sua avó – em um lar sem a presença do pai, ele reconhece a importância dessa formação matriarcal na construção de seu caráter e valores.

Foi sua avó quem iniciou, com delicadeza, a conversa sobre sexualidade. “Me chamou e disse: ‘Filhinho, você anda pensando, assim, não sei, vontade de mulher?’. Arregalei o olho. Essas coisas marcam. Tinha 13, 14 anos.” Mais tarde, um dos tios tentou continuar a conversa com um certo embaraço, mas o momento ficou gravado na memória afetiva do ator.

Sobre machismo, Tony é categórico. “Sei o que sou: macho, do gênero masculino. Macho, mas 'chista' não. Nunca tive essa coisa da posse.” Segundo ele, nunca precisou se policiar ou reaprender a ser homem em tempos de mudança social. “Não faz parte da minha conduta.”

Essa postura firme, que combina sensibilidade e ética, faz parte de sua visão sobre o que significa ser homem – e cidadão – nos dias de hoje. “Sou um cidadão brasileiro, com unha encravada, dor de dente e vontade de dizer ‘hoje não quero saber de nada’ como qualquer outro”, resumiu.

Entre os momentos mais emocionantes da entrevista, Tony se derreteu ao falar sobre o amor da sua vida: a esposa Lidiane, com quem está junto há 56 anos. A história do casal é marcada por cumplicidade, respeito e afeto — uma raridade em um meio onde as relações são frequentemente abaladas pela exposição pública e rotinas intensas.

“Quando pus os olhos naquela moça chamada Lidiane, Nossa Senhora, abriu-se um novo mundo”, afirmou o ator, visivelmente emocionado.

Ao ser questionado sobre fidelidade, foi direto: “Respondo sem piscar. A gente sabe que não. A gente tem paixão pelo outro.” Ele afirmou que nunca houve espaço para traições ou aventuras. “Beijar como beijo a minha mulher, nunca beijei ninguém. Nasci para essa companheira, e ela para mim.”

Para Tony, o casamento é uma construção diária que vai além da paixão romântica. “É olhar pra Lidiane de manhã e pensar no café da manhã.” Entre ensaios, gravações e viagens, o que mantém sua vida com sentido é o cotidiano ao lado da esposa.

Com sua voz mansa e presença sempre gentil, Tony também falou sobre a importância de continuar acreditando em valores como empatia, democracia e respeito às diferenças. “Continuo o mesmo cara, o mesmo homem preocupado com democracia, com liberdade, com o não ao preconceito, à intolerância, com a vida dos netos, dos filhos.”

Ainda que revele um desejo de desacelerar, o ator não deixa dúvidas de que a chama da arte segue acesa. Está envolvido com projetos no cinema, no teatro e na TV, e mesmo em recuperação da cirurgia cerebral, mostra uma vitalidade notável.

Essa conexão entre vida e arte aparece também na citação que fez do poeta Fernando Pessoa. Ao despertar na UTI, lembrou de um trecho que define com precisão sua visão filosófica sobre o corpo e a existência:

"Eu não possuo o meu corpo – como posso eu possuir com ele? Eu não possuo a minha alma – como posso possuir com ela? Não compreendo o meu espírito – como através dele compreender?"

O poema completo, extraído do Livro do Desassossego, foi citado de forma espontânea, quase como se Tony estivesse em cena. Mais do que encenar, ele vive a arte, mesmo nos momentos mais delicados.

Apesar da fama, dos prêmios e de décadas sob os holofotes, Tony Ramos preserva sua simplicidade. “Eu não mudei. Sou o Antonio, o Toninho da minha mãe, o Tunico dos amigos mais íntimos, o Tony que está dando esta entrevista.”

Esse apego às raízes e à vida real é o que o mantém relevante, admirado e amado por diferentes gerações. Seja como o galã das novelas clássicas, o ator de peças densas ou o homem comum que gosta de café da manhã com a esposa, Tony Ramos permanece como referência de ética, profissionalismo e humanidade no entretenimento brasileiro.

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