
Considerado um dos maiores nomes da história do Cinema, o nova-iorquino Stanley Kubrick (1929-1999) começou sua vida profissional ainda adolescente como fotógrafo na revista Look. Embora seus pais dessem grande valor a uma educação formal, Kubrick optou por não seguir o caminho de uma formação universitária, gravitando aos poucos da fotografia, sua paixão original, para o cinema, através de um longo processo de exploração autodidata.

Talvez devido justamente a essa educação cinematográfica não ortodoxa, Kubrick nunca se contentou em “apenas” dirigir seus filmes, fazendo questão de participar em todos os aspectos da produção, desde questões técnicas, como direção de arte, mixagem e captura de som, e iluminação, para os aspectos maiores do processo, começando na pesquisa envolvida na pré-produção, passando pela a elaboração do roteiro, e até a montagem final do filme, algo que era inusitado no sistema de linha-de-produção vigente nos estúdios americanos à época.
O resultado de sua dedicação e perfeccionismo foi uma obra cinematográfica de pouca produtividade – dirigiu “apenas” 13 longas-metragens, uma produção muito aquém dos diretores que seriam seus herdeiros como autores no cinema norte americano, como Spielberg, Scorsese, e Coppola – mas de alta qualidade.
Ainda que seus filmes não sejam ligados por unidade temática ou de gênero, é possível enxergar em todos eles a marca do diretor, a atenção obsessiva aos detalhes, a fotografia que alterna planos longos com técnicas de travelling acompanhando os atores, o enquadramento simétrico das imagens na tela (algo que ganhou uma alcunha própria, a “perspectiva-de-um-ponto de Stanley Kubrick”), e o excelente uso do som em suas películas, não apenas como passagem, mas também como parte da trama.
Muito embora todos os aspectos técnicos de sua direção são justas razões pelas quais Kubrick é celebrado ainda hoje, vale lembrar que ele também se sobressaía no trato com os atores, mesmo os forçando a repetir dezenas de takes. No apanhado da obra do diretor americano diferentes atores entregam performances memoráveis em seus filmes, como Peter Sellers em Lolita (1964) e Doutor Fantástico (1964), Kirk Douglas em Gloria Feita de Sangue (1956) e Spartacus (1960), Malcom McDowell em Laranja Mecanica (1972), Jack Nicholson em O Iluminado (1980), e Vincent D’Onofrio e Lee Ermey em Nascido Para Matar (1987).
Para Kubrick cada aspecto da produção de um filme era parte da história a ser narrada; nada escapava a seu olhar.
Caso ainda estivesse vivo, o diretor teria completado nessa semana 88 anos. Com isso em mente, listamos cinco de seus filmes disponíveis nos serviços de streaming “Netflix” e “NET NOW” que valem uma olhada:
Doutor Fantástico (1964) - Disponível no “Netflix”
Considerada a melhor sátira politica do Século XX, Doutor Fantástico é uma comedia de humor negro que explora o medo, muito real nos anos 1960, de uma Terceira Guerra Mundial que poderia ser desencadeada pelo vertiginoso aumento do arsenal nuclear dos Estados Unidos e Rússia. Filmado todo em preto-e-branco, e amparado nos ótimos diálogos e atuações – sobretudo de Peter Sellers – Doutor Fantástico acena para um futuro miserável sem perder a capacidade humana de encontrar humor mesmo nas piores situações.
2001: Uma Odisseia no Espaço (1968) – Disponível no “NET NOW”
Baseado no conto A Sentinela, do escritor Arthur C. Clarke (que coo escreveu o roteiro), sobre uma civilização alienígena que monitora o progresso dos terrestres, 2001 é não só um divisor de aguas na carreira de Kubrick, mas também do cinema norte americano. O processo de produção da película levou quatro anos, muito pelo lendário perfeccionismo do diretor. Mesmo após quase cinquenta anos de seu lançamento os efeitos especiais são impressionantes, e o efeito subjetivo desejado pelo diretor, de que o longa envolvesse o espectador da mesma forma como a música envolve um ouvinte, ou de como uma pintura atinge níveis profundos de abstração, é atingido pela primeira vez por um filme de um diretor americano. A atenção aos detalhes, o enquadramento, a fotografia perfeita, e o uso do som para preencher o vácuo espacial são marcas do filme que geraram inúmeras influencias nas décadas seguintes, não só no cinema, mas na cultura em geral. Se a justaposição de musica clássica com longos planos do espaço soam clichês hoje, foi porque Kubrick trouxe isso ao público pela primeira vez em 2001.
Barry Lyndon (1975) – Disponível no “NET NOW”
Após a superprodução 2001(1968) e o transgressor Laranja Mecânica (1972), Kubrick tornou sua atenção para uma narrativa mais “convencional”, a adaptação do romance As Memórias de Barry Lyndon, de William Thackeray, que narra as perambulações do irlandês Redmond Barry no Sec. XVII em um período que cobre por volta da Guerra dos Sete Anos às guerras napoleônicas na Europa. Embora não tenha sido bem recebido à época - muito pela sua duração (184 min.) - ganhou notoriedade nas décadas seguintes, figurando em diversas listas de “Melhores Filmes”, o que ocorre, aliás, com boa parte da filmografia de Kubrick. Lyndon se tornou notório, também, pelo uso nas filmagens de uma lente especialmente fabricada pela empresa alemã Zeiss para a NASA. O efeito obtido foi de que o filme pôde ser rodado inteiramente com luz natural sem perda de qualidade das imagens, com cenas até mesmo à luz de velas, reforçando o realismo desejado pelo diretor, que procurava transportar o espectador para o Reino Unido do Século XVIII.
O Iluminado (1980) – Disponível no “NET NOW”
Baseado na obra de Stephen King (que não aprovou a adaptação), O Iluminado narra o infortúnio do escritor Jack Torrance (Jack Nicholson, em um de seus mais famosos papéis), sua esposa Wendy, e seu filho Danny, como zeladores no ermo e assombrado Hotel Overlook, fechado para o inverno nas montanhas do Colorado. Como de costume Kubrick se imergiu na produção, participando até mesmo do desenho dos sets, como o interior do hotel e o célebre labirinto, garantindo que os corredores fossem amplos o bastante para a passagem das câmeras. O Iluminado foi um dos primeiros filmes a utilizar a Steadicam, que permite ao seu operador acompanhar os movimentos dos atores mantendo a linearidade da captura das imagens. O próprio inventor do aparelho foi convidado por Kubrick para opera-la nas filmagens, e considerou a primeira vez que o seu invento foi utilizado em todo o seu potencial em um filme. O efeito desejado, de manipulação da geografia e a sensação de claustrofobia mesmo em espaços amplos foi atingido - com o auxílio da trilha sonora que gradualmente aumenta a tensão - e O Iluminado permanece até hoje como um dos melhores filmes de terror já feitos.
Nascido para Matar (1987) – Disponível no “NET NOW”
Baseado em The Short Timers, de Gustav Hardford, ex-fuzileiro naval norte-americano, Nascido para Matar é considerado um dos melhores filmes sobre a Guerra do Vietnã, juntamente com Platoon (1985) de Oliver Stone, e Apocalypse Now (1980) de Francis Ford Coppola. O filme é dividido em dois atos, tendo como pivô o recruta Joker (Matthew Modine) e a sua passagem de civil para soldado. O primeiro ato é focado no treinamento dos recrutas para a Guerra, em que no espaço de poucas semanas jovens rapazes sem qualquer experiência militar têm de ser dessensibilizados e transformados em soldados prontos para matar sem hesitação, enquanto que o segundo ato transcorre já no Vietnã, retratando a própria experiência da guerra. Muitas passagens desse filme, como outros do cineasta, entraram para a cultura popular. Se 2001, na obra de Kubrick, é uma sinfonia, Nascido para Matar é seu álbum de rock.
