
Quase 50 anos após o assassinato brutal de Ângela Diniz, o caso que chocou o Brasil estreia nesta quinta-feira (13) no streaming com a série Ângela Diniz: Assassinada e Condenada, na HBO Max. Protagonizada por Marjorie Estiano, a produção traz nova luz à história da socialite morta com quatro tiros por seu então namorado, Raul Fernando do Amaral Street, o Doca Street, em dezembro de 1976, na Praia dos Ossos, em Búzios (RJ).
A série, dirigida por Andrucha Waddington, é uma adaptação do podcast Praia dos Ossos, lançado em 2020 pela Rádio Novelo, que resgatou o crime com olhar crítico sobre o julgamento da vítima. Com seis episódios, a produção acompanha Ângela da sua separação até o assassinato, destacando o contexto de misoginia que marcou seu processo judicial e a repercussão social do crime.
Internação e julgamento de Ângela após a morte - A série expõe como Ângela Diniz foi duplamente vítima: morta por Doca e depois julgada postumamente no tribunal. Na primeira audiência, em 1979, a defesa alegou “legítima defesa da honra” para justificar o crime. Doca foi condenado a dois anos e não chegou a cumprir pena. A tese, amplamente usada à época para atenuar ou absolver homens que matavam mulheres, só foi considerada inconstitucional pelo Supremo Tribunal Federal (STF) em 2023.
Ângela Diniz: Assassinada e Condenada", série inspirada em um caso real com Marjorie Estiano e Emílio Dantas, na HBO Max.
Ângela, desquitada, mãe, amante e figura influente da elite, foi rotulada como “libertina e depravada”, enquanto o autor do crime foi tratado como “ofendido em sua dignidade”. A narrativa da série busca desconstruir essa imagem, mostrando a complexidade e humanidade da mulher por trás da personagem midiática.
Com roteiro de Elena Soárez, Pedro Perazzo e Thais Tavares, a série mistura dados históricos com elementos ficcionais para dar vida aos bastidores do crime. A equipe teve acesso à pesquisa do podcast original e utilizou registros raros — entre eles, o único vídeo em que Ângela aparece falando: um comercial de cartão de crédito.
Segundo a produtora Renata Brandão, alguns personagens foram criados ou fundidos para fins narrativos, como o da feminista Gilda Rabelo (Renata Gaspar), parte da rede de apoio da socialite após sua mudança para o Rio. Embora Ângela tenha tido três filhos na vida real, a série foca na relação com apenas uma filha, Mariana, interpretada por Maria Volpe, como forma de proteger os familiares e manter o foco na trajetória da vítima.
Para Marjorie Estiano, o maior desafio foi dar vida à mulher em toda sua contradição e complexidade. “A Ângela era tudo. Mãe, amante, socialite, libertária, sensual, frágil e forte”, define. Segundo ela, a produção teve o cuidado de não idealizar nem julgar a personagem, mas retratá-la como alguém “fiel aos próprios desejos, em um tempo que ainda condenava mulheres por serem livres”.
Yara de Novaes, que vive Maria Diniz, mãe da socialite, destaca uma cena marcante: uma fotografia da mãe durante o enterro da filha, com um casaco de pele, desarvorada. “Ela estava levando a filha no colo, com o mundo desabando”, descreve.
Homens em segundo plano - Doca, interpretado por Emilio Dantas, aparece na série com pouca profundidade — escolha proposital, segundo o próprio ator. “Não era sobre ele. Era sobre ela”, resume. O diretor Andrucha Waddington afirma que o objetivo era evitar a espetacularização do crime, focando no julgamento e na cobertura midiática como símbolo da época.
“É um debate que precisa envolver os homens também. Estou confortável dirigindo esse projeto porque estou cercado de mulheres maravilhosas. É hora de se posicionar”, afirma o diretor.
Apesar de ambientada nos anos 1970, a série traz reflexões atuais. Thiago Lacerda, que interpreta o colunista social Ibrahim Sued, comenta que a cultura do julgamento público, que afetou Ângela, persiste hoje nas redes sociais.
“Hoje, crimes contra mulheres acontecem ao vivo na internet. A espetacularização mudou de formato, mas continua”, disse. A série mostra como, mesmo em ambientes de elite e aparente liberdade, a mulher era (e ainda é) julgada, silenciada e culpabilizada.
Camila Márdila (Lulu) e Renata Gaspar (Gilda) completam a crítica ao ambiente elitista e machista da época, destacando que Ângela, se estivesse viva hoje, seria provavelmente atacada online por sua liberdade. “Ela seria condenada pelo que veste, pelo que posta, pelos nudes”, pontua Camila.
Segundo o Mapa da Violência do Ministério da Justiça, o Brasil registra quatro feminicídios por dia. Ainda que a tese da defesa da honra tenha sido derrubada, o ciclo de violência doméstica e impunidade ainda assombra o País.
Ao priorizar a perspectiva da vítima e não do agressor, Ângela Diniz: Assassinada e Condenada se propõe a ser mais do que uma reconstituição histórica: é uma denúncia, um manifesto e um convite ao debate.

