
Uma ampla pesquisa realizada em comunidades de todo o país desafia o estigma de que as favelas são locais apenas de escassez e limitações. O levantamento, feito com 16 mil moradores de favelas por meio de uma parceria entre a Central Única das Favelas (Cufa) e o instituto Data Favela, revela um ambiente economicamente ativo, conectado ao comércio on-line e com consumidores exigentes, que veem o acesso a bens de consumo como um direito e um símbolo de conquista.

Com a ajuda de mil voluntários, o estudo traçou um panorama atual das percepções de consumo, qualidade de vida e sonhos da população que vive nessas regiões, onde habitam cerca de 17 milhões de brasileiros maiores de 18 anos — o equivalente a 8% dos domicílios do país.
Consumo é pertencimento
De acordo com os dados, 83% dos entrevistados preferem produtos que aliem preço acessível e qualidade. Para 85%, conseguir adquirir um item considerado difícil de acessar é motivo de realização pessoal. Além disso, 78% se esforçam para comprar aquilo que não puderam ter na infância ou adolescência, demonstrando uma clara associação entre consumo, dignidade e superação de desigualdades.
A pesquisa também revelou o lado emocional do consumo: metade dos moradores de favelas já vivenciou situações de constrangimento ou humilhação por não ter acesso a determinados produtos. E 62% relataram sentir-se excluídos por não conseguirem acompanhar tendências ou consumir itens que estão na moda.
Beleza como ferramenta social e profissional
A aparência pessoal é um valor importante para grande parte dos entrevistados. Para 77%, cuidar da própria imagem é prioridade. Mais da metade (57%) considera cosméticos produtos de primeira necessidade, enquanto 37% acreditam que a boa aparência pode favorecer a conquista de melhores oportunidades no mercado de trabalho.
Plataformas favoritas e compras pela internet
O comércio on-line tem forte adesão entre os moradores de favelas. Seis em cada dez entrevistados afirmaram comprar pela internet. As plataformas preferidas são Shopee, Mercado Livre e Shein — com a primeira liderando isoladamente, sendo usada por 40% dos consumidores.
Nos próximos seis meses, os produtos mais desejados são:
-
Roupas (70%)
-
Itens de beleza e perfumaria (60%)
-
Produtos exclusivamente de beleza (51%)
-
Materiais de construção (51%)
-
Eletrodomésticos (51%)
-
Eletrônicos (43%)
-
Cursos diversos (43%)
-
Cursos de idiomas (29%)
Barreiras no comércio on-line
Apesar da alta adesão ao e-commerce, ainda há obstáculos importantes. Seis em cada dez consumidores já enfrentaram atrasos nas entregas. E 20% relataram que seus endereços não foram encontrados, o que impediu a chegada dos pedidos.
Fraudes também são uma preocupação: metade dos entrevistados disse já ter recebido mensagens ou e-mails falsos sobre encomendas, e um terço caiu em golpes relacionados a esse tipo de fraude.
Sonhos e prioridades nas favelas
O estudo também investigou os principais anseios dos moradores. O maior sonho, para 19%, é ter melhores condições de moradia. A seguir vêm o acesso à saúde (18%) e à segurança (18%).
Outros desejos mencionados incluem:
-
Mais infraestrutura, como esgoto e iluminação (14%)
-
Respeito à comunidade (9%)
-
Opções de lazer (7%)
-
Mais escolas (5%)
-
Melhor transporte público (4%)
-
Outros sonhos (5%)
-
Não definiram um sonho prioritário (1%)
O levantamento mostra que, longe de serem apenas espaços marcados pela carência, as favelas brasileiras concentram uma população conectada, com desejos, capacidade de consumo e busca por dignidade. O consumo é visto não apenas como aquisição de bens, mas como uma forma de afirmação social e realização pessoal.
O estudo também evidencia o quanto políticas públicas direcionadas, como melhorias em infraestrutura, transporte, saúde e segurança, são essenciais para atender aos anseios dessas comunidades e ampliar o seu protagonismo dentro da economia nacional.
