
Entrou em vigor nesta quarta-feira (6) a tarifa de 50% sobre parte das exportações brasileiras para os Estados Unidos, medida que afeta diretamente produtos como café, frutas e carnes. O tarifaço, assinado na semana passada pelo presidente norte-americano Donald Trump, atinge 35,9% das mercadorias enviadas ao mercado americano, o que representa cerca de 4% das exportações totais do Brasil. A medida, considerada por analistas como uma retaliação política, reacende tensões diplomáticas entre os dois países e afeta setores estratégicos da economia brasileira.

De acordo com a nova política tarifária, aproximadamente 700 produtos brasileiros ficaram de fora da medida, incluindo suco e polpa de laranja, combustíveis, minérios, fertilizantes, polpa de madeira, celulose, metais preciosos, energia e aeronaves civis — além de motores, peças e componentes. Mas a inclusão de itens de alto valor agregado e forte presença na balança comercial, como o café, despertou reação imediata do governo brasileiro.
“Não queremos confronto com os Estados Unidos, mas o Brasil não será tratado como uma republiqueta”, afirmou o presidente Luiz Inácio Lula da Silva em pronunciamento no último domingo (3). Lula também reafirmou que o país não abre mão de discutir moedas alternativas ao dólar no comércio internacional, tema que vem sendo debatido dentro do Brics — bloco econômico formado por Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul.
Segundo a Casa Branca, o aumento das tarifas faz parte da estratégia de proteção da indústria norte-americana frente à ascensão da China. Desde abril, o governo Trump iniciou uma ofensiva comercial contra países com superávits nas trocas com os EUA. Como os Estados Unidos mantêm superávit na balança comercial com o Brasil, o país latino-americano foi inicialmente enquadrado na faixa de 10% de sobretaxa. No entanto, a elevação para 50%, em julho, foi justificada como resposta a decisões que, segundo Trump, prejudicariam empresas de tecnologia americanas — as chamadas big techs.
Além disso, o governo Trump citou o julgamento do ex-presidente Jair Bolsonaro, acusado de tentar um golpe de Estado após as eleições de 2022, como uma justificativa indireta para o endurecimento das tarifas. A retaliação teria como pano de fundo uma tentativa de desestabilizar politicamente o atual governo brasileiro e pressionar o avanço de pautas que interessem à política externa norte-americana.
“Essa medida tem forte conotação política e é claramente uma forma de chantagem. Está relacionada ao protagonismo que o Brasil tem assumido no Brics e à proposta de reduzir a dependência do dólar”, avalia o economista e especialista em comércio exterior Ricardo Junqueira, ouvido pela Agência Brasil.
O impacto direto sobre as exportações brasileiras ainda está sendo calculado, mas associações do setor agrícola já manifestaram preocupação com a perda de competitividade nos Estados Unidos, o segundo maior destino das exportações brasileiras, atrás apenas da China.
Entre os mais afetados estão os produtores de café, frutas frescas e carnes processadas, produtos que agora enfrentarão preços menos competitivos no mercado americano. No setor de café, por exemplo, estima-se que a elevação da tarifa possa representar uma perda de até 200 milhões de dólares ao ano.
Em resposta, o governo brasileiro anunciou que irá implementar nos próximos dias um plano de contingência para apoiar as empresas prejudicadas. Segundo o Ministério da Fazenda, serão abertas linhas de crédito especiais e contratos governamentais de compra poderão ser direcionados aos setores mais afetados.
Apesar da imposição unilateral das tarifas, o governo norte-americano sinalizou interesse em abrir um canal de diálogo. A Secretaria do Tesouro dos Estados Unidos entrou em contato com o Ministério da Fazenda para iniciar negociações bilaterais. Além disso, Trump teria demonstrado disposição para conversar diretamente com o presidente Lula.
Entre os temas mais sensíveis está o setor de minerais críticos e terras raras — insumos estratégicos para a produção de baterias e equipamentos eletrônicos. O ministro da Fazenda, Fernando Haddad, afirmou nesta semana que esses itens poderão ser parte de uma proposta de cooperação entre os dois países, com potencial para reverter parte das tarifas impostas.
“Os Estados Unidos não são ricos em minerais críticos, enquanto o Brasil tem reservas significativas. Podemos estabelecer uma parceria vantajosa para ambos, produzindo baterias mais eficientes e sustentáveis”, afirmou Haddad em entrevista à TV Cultura.
Ainda segundo o ministro, existe a expectativa de que o café, um dos produtos mais afetados, possa ser retirado da lista tarifada em uma possível negociação. O otimismo do setor foi alimentado pela recente decisão da China de habilitar 183 empresas brasileiras para exportar café ao mercado asiático, ampliando as oportunidades de compensar parte das perdas.
O episódio ocorre em um momento de redefinição das alianças comerciais globais. A atuação do Brasil como membro ativo do Brics, bem como as iniciativas para utilizar moedas locais nas trocas internacionais, têm provocado reações de países centrais, como os Estados Unidos, que veem no bloco emergente uma ameaça à hegemonia do dólar e ao seu protagonismo político-econômico.
“A tensão com os Estados Unidos está dentro de um cenário maior de disputa por influência global. O tarifaço é uma ação pontual com implicações amplas. Pode abrir um precedente perigoso para o comércio internacional”, explica a professora de Relações Internacionais da UFRJ, Mariana Falcão.
Enquanto os impactos reais da medida ainda são sentidos pelo setor produtivo brasileiro, o episódio marca um novo capítulo na complexa relação entre Brasil e Estados Unidos, onde interesses econômicos, políticos e geopolíticos se misturam. Resta saber se o diálogo diplomático será suficiente para reverter a situação — ou se o Brasil buscará alternativas em mercados como a China, Índia e países do Golfo, para reduzir sua dependência do mercado norte-americano.
