
A ministra Cármen Lúcia, do Supremo Tribunal Federal (STF), solicitou a redistribuição de uma ação que pode definir o futuro de milhares de processos tributários com impacto estimado em R$ 117,6 bilhões para os cofres públicos. A magistrada foi inicialmente sorteada como relatora do caso, movido pela Advocacia-Geral da União (AGU), mas pediu que o processo seja transferido para o ministro Kássio Nunes Marques.

O pedido, publicado na terça-feira (14), aponta como justificativa a conexão direta entre essa nova ação da AGU e outro processo que já está sob relatoria de Nunes Marques: uma ação da Confederação Nacional da Indústria (CNI) que discute a incidência de tributos federais sobre subvenções fiscais.
Tentativa de reverter derrotas da União - A iniciativa do governo federal, por meio da AGU, tenta frear o avanço de processos judiciais que seguem a lógica da chamada “tese do século”. Em 2017, o STF decidiu excluir o ICMS da base de cálculo do PIS/Cofins, determinando a devolução de valores pagos indevidamente por empresas. A decisão causou um rombo bilionário na arrecadação federal e ainda hoje é criticada pelo ministro da Fazenda, Fernando Haddad.
Cármen Lúcia foi justamente a relatora daquela ação e votou contra a União. A derrota do governo, na época, se deu por 6 votos a 4. Agora, a AGU tenta reverter o cenário jurídico desfavorável por meio de uma nova ação protocolada em setembro. A ideia é convencer a Corte a validar a prática de “tributo sobre tributo” e, com isso, barrar outras ações semelhantes à tese de 2017.
A redistribuição do processo ainda depende da análise do ministro Edson Fachin, responsável por validar ou não o pedido de Cármen. Nos bastidores, a movimentação é vista como uma oportunidade para o governo mudar o rumo da jurisprudência, principalmente após alterações na composição do STF.
Diferentemente de Cármen Lúcia, cuja posição sobre o tema já é conhecida e contrária aos interesses da União, o ministro Kássio Nunes Marques não participou do julgamento da “tese do século”. À época, quem ocupava a cadeira era o ministro Celso de Mello, que votou pela exclusão do ICMS da base de cálculo.
Integrantes da área jurídica do governo avaliam que, se o julgamento ocorresse hoje, o resultado poderia ser diferente. Com novos ministros indicados nos últimos anos, há uma percepção de maior sensibilidade da Corte aos impactos fiscais das decisões tributárias.
Na ação apresentada pela AGU, o governo lista três temas tributários específicos que estão pendentes de julgamento no STF e que, juntos, representam um potencial prejuízo de R$ 117,6 bilhões. Embora os detalhes sobre esses temas não tenham sido divulgados oficialmente, eles seguem a lógica da “tese do século” ao contestar a inclusão de tributos na base de cálculo de outros.
O objetivo da ação é interromper essa “reprodução em série” de entendimentos favoráveis aos contribuintes e criar um marco legal que assegure a arrecadação federal em meio à fragilidade fiscal enfrentada pelo país.
Estratégia jurídica e impacto político - A movimentação da AGU também tem um componente político. A equipe econômica liderada por Fernando Haddad vem buscando formas de aumentar a arrecadação sem elevar alíquotas, o que inclui reverter decisões judiciais que reduziram a base de tributos.
Caso o processo seja de fato redistribuído e tenha um julgamento favorável ao governo, poderá representar um novo entendimento do STF sobre a constitucionalidade da incidência de tributos em cascata — algo historicamente criticado, mas que tem peso relevante na arrecadação.
A redistribuição da ação será um teste para o novo perfil do Supremo, mais alinhado ao Executivo em algumas agendas econômicas. A decisão de Fachin sobre o pedido de Cármen Lúcia é aguardada com expectativa por todos os envolvidos.
