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SANEAMENTO

Estados driblam marco de saneamento para manter estatais sem licitação

Interpretação da nova lei por parte de governadores abre brecha para que estatais mantenham serviços sem necessidade de concorrência

20 julho 2021 - 12h00
Lixo acumulado nas margens da represa Billings, na região metropolitana de SP. Universalização do saneamento é prevista para até 2033
Lixo acumulado nas margens da represa Billings, na região metropolitana de SP. Universalização do saneamento é prevista para até 2033 - (Foto: Estadão/Alex Silva )

Pilar do marco legal do saneamento, a exigência de licitação para estatais fecharem novos contratos está sendo driblada por uma guerra de interpretações da nova lei. Pelo menos nove Estados - Amazonas, Ceará, Espírito Santo, Paraíba, Paraná, Pernambuco, Piauí, Rio Grande do Norte e Roraima - aprovaram os processos de regionalização dos serviços de água e esgoto numa modalidade que abre brecha à possibilidade de atuação das empresas estaduais públicas sem processo licitatório.

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Em vigor há um ano, o novo marco foi pensado para estimular a participação das empresas privadas no setor. A regionalização dos serviços é uma das primeiras etapas para viabilizar esse processo.

A questão está longe de estar pacificada e opõe os agentes do segmento. A lei proibiu estatais do setor de fechar novos contratos sem licitação com os municípios. No entanto, o risco de o veto cair veio quando governos locais passaram a dividir os Estados em blocos de municípios por uma modalidade chamada microrregião, em que deve prevalecer o "interesse comum".

A justificativa é que, nesse formato, a lei federal menciona que a titularidade dos serviços é também dos Estados. Com isso, o argumento é de que, sendo a estatal uma empresa do governo estadual, a prestação direta, sem concorrência, seria possível. O setor privado, no entanto, afirma que a interpretação está errada e já cogita acionar a Justiça caso as gestões estaduais avancem com a ideia.

Ao enviar para a Assembleia Legislativa do Amazonas o projeto que cria a microrregião no Estado, o governo Wilson Lima (PSC) afirmou que o texto era necessário para dar maior segurança à prestação de serviços, considerando a existência de "titularidade interfederativa" na microrregião, "o que autoriza a prestação direta dos serviços públicos de saneamento básico pela Companhia de Saneamento do Amazonas (Cosama)".

A possibilidade também é analisada em Roraima. Para isso, o Estado avalia fazer a transferência acionária da estatal, a Companhia de Água e Esgotos de Roraima (Caer), para a microrregião. À reportagem, o governo local afirmou que a decisão, seja pela privatização ou pela criação de uma empresa do bloco (via transferência da Caer), será do colegiado da microrregião.

A regionalização por meio de microrregiões nos outros Estados não significa que todos entendam, por consequência, que a prestação direta pela estatal, sem concorrência, é uma possibilidade. Por outro lado, a entidade que representa as estatais de saneamento confirmou que essa interpretação da lei é avaliada pela associação.

Manobra

Especialistas afirmam que a estratégia é uma manobra para Estados manterem as estatais com o monopólio dos serviços, mesmo debaixo de dúvida de que elas possam dar conta das metas de universalização do saneamento, prevista para 2033. Hoje, 16,3% da população não tem fornecimento de água potável e mais da metade não é atendida com tratamento de esgoto.

Um estudo da GO Associados apontou que pelo menos dez companhias públicas de saneamento não atendem a um ou mais critérios exigidos pelo novo marco e pelo decreto que regulamenta a lei. As empresas do Amazonas e de Roraima estão entre elas.

"Isso, de fato, é uma possibilidade jurídica que tem se estudado. Agora, cada Estado tem sua autonomia para decidir não só a microrregião, mas como sua interpretação da lei. A lei é um fato novo, e ela estabelece em um dos seus artigos que o Estado é titular conjuntamente com o município quando há interesse comum e a microrregião. Sendo isso estabelecido, a empresa do Estado pode prestar diretamente", disse o presidente da Associação Brasileira das Empresas Estaduais de Saneamento (Aesbe), Marcus Vinicius Neves.

A Associação Brasileira das Concessionárias Privadas de Serviços Públicos de Água e Esgoto (Abcon) afirma que a tese não se sustenta. Uma vez que os municípios que formam a região de interesse comum, e são titulares do serviço junto do Estado, não são sócios da estatal, a delegação dos serviços a essa empresa exige, sim, uma licitação, defende a entidade. "A lei admite a prestação direta dos serviços, isso é fato. Mas ela demanda concorrência quando há concessão do serviço para outro operador", afirmou o diretor executivo da Abcon, Percy Soares Neto.

No governo federal, o entendimento é que as companhias estaduais não podem prestar os serviços sem licitação. "O MDR (Ministério do Desenvolvimento Regional) não entende ser viável qualquer companhia estadual prestar diretamente à entidade microrregional serviços de saneamento", afirmou o órgão. "Como é de amplo conhecimento, é uma diretriz do novo marco do saneamento o estímulo à concorrência", disse a pasta.

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