
Em um cenário de escassez de ofertas públicas iniciais de ações (IPOs) no Brasil — sem nenhum novo registro desde 2021 — o chamado "IPO reverso" tem ganhado espaço como uma alternativa viável para empresas que desejam ingressar na Bolsa de Valores (B3). A prática consiste na aquisição, por parte de uma empresa não listada, de outra que já possui registro de companhia aberta, herdando assim sua presença no mercado.
Segundo especialistas, o movimento tem se tornado mais comum, especialmente em um ambiente de juros elevados e mercado de capitais retraído, onde os custos e a complexidade de um IPO tradicional se tornam impeditivos para muitos negócios.
“O IPO reverso é uma fusão ou aquisição em que o objetivo principal é a listagem, não necessariamente a integração dos negócios”, explica Gustavo Rugani, sócio do escritório Machado Meyer. Ele observa que o uso dessa ferramenta para unir empresas de ramos completamente distintos é um fenômeno recente.
Casos práticos: de cursinho a bitcoin - Entre os exemplos mais curiosos está a entrada da OranjeBTC, empresa que atua com tesouraria de bitcoin e educação financeira, na Bolsa por meio da compra do cursinho pré-vestibular Intergraus. A operação foi feita após a listagem do Intergraus pela Bioma Educação, como condição anterior à venda. Com a aquisição, a OranjeBTC passou a ser uma empresa aberta na B3.
“A OranjeBTC tem como missão impulsionar a adoção do padrão bitcoin na América Latina. O Intergraus entra como parte da nossa plataforma educacional”, explicou a empresa.
Outro exemplo recente envolve a Fictor Alimentos, que passou a operar no mercado ao assumir o lugar da Atom Empreendimentos e Participações, empresa que atuava como mesa de operações financeiras. A mudança veio após aquisição da Atom pela holding Fictor e pela Aqwa Capital. O negócio resultou não só na troca do nome da empresa, mas na transformação total de seu objeto social.
Atalho legítimo e sem restrições legais - O IPO reverso, por mais inusitado que pareça, é legal e amplamente permitido pela Comissão de Valores Mobiliários (CVM), desde que siga todos os ritos de governança e aprovação pelos acionistas.
“É uma operação de compra e venda como qualquer outra. Não há vedação, o que precisa é o cumprimento das regras de governança e divulgação ao mercado”, afirma Maiara Madureira, especialista em mercado de capitais do escritório Demarest Advogados.
Embora na maioria dos casos as operações ocorram em comum acordo entre as partes, também é possível que ocorram de forma hostil — como foi o caso da Reag Investimentos, que assumiu o controle da Getninjas após compras no mercado e uma OPA (oferta pública de aquisição).
BRZ aposta em fusão com listada para acelerar acesso ao mercado - A incorporadora BRZ também optou por esse caminho e está em processo de combinação de negócios com a Fica Empreendimentos (antiga CR2), já listada na B3. Ambas atuam no setor imobiliário e, segundo o diretor financeiro da BRZ, Fabiano Valese, a motivação principal foi o “atalho” para acessar os instrumentos financeiros disponíveis apenas para empresas abertas.
“Estar listada amplia as possibilidades de captação, com acesso a follow-ons e redução do custo de capital. A marca Fica vai desaparecer, e a BRZ segue como companhia aberta”, explica Valese.
Além disso, a Fica possui um banco de terrenos expressivo em Nova Iguaçu (RJ), com mais de 2,9 milhões de metros quadrados, o que também pesou na decisão da BRZ.
'Jabuti' corporativo ou solução estratégica? - Para Gustavo Rugani, a analogia que melhor descreve os IPOs reversos entre empresas de setores distintos é a figura do “jabuti” — termo político usado para descrever algo que não pertence à proposta original, mas é inserido no processo.
“Jabuti não sobe em árvore. Se está lá, ou foi enchente ou mão de gente. E no caso dos IPOs reversos, a mão é da estratégia de mercado”, ironiza o advogado.
Já para Madureira, é mais correto ver a operação como um “atalho”, que permite acelerar a entrada no mercado sem passar por todas as etapas tradicionais de um IPO — como roadshow, auditorias longas e aprovação da CVM para emissão primária de ações.

