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ECONOMIA

Tarifaço dos EUA trava diálogo entre Lula e Trump e agrava tensão diplomática

Sobretaxa de 50% imposta a produtos brasileiros expõe impasse político entre os presidentes e já impacta US$ 14,5 bilhões em exportações

6 agosto 2025 - 06h07Giordanna Neves, Lavínia Kaucz e Gabriel de Sousa
Lula critica tarifa dos EUA e defende negociações iguais; reafirma proposta de moeda fora do dólar.
Lula critica tarifa dos EUA e defende negociações iguais; reafirma proposta de moeda fora do dólar. - Eduardo Munoz/Reuters;Ricardo Stuckert

Com entrada em vigor marcada para esta quarta-feira (6), o tarifaço de 50% sobre produtos brasileiros exportados para os Estados Unidos já provocou fortes reações do governo brasileiro e agravou a tensão política entre os presidentes Luiz Inácio Lula da Silva e Donald Trump.

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Na tarde desta terça-feira (5), durante reunião do Conselho de Desenvolvimento Econômico Social Sustentável, em Brasília, Lula deixou claro que o diálogo com Trump está interrompido. Em tom crítico, afirmou que não irá ligar para o presidente norte-americano para tratar das tarifas, já que, segundo ele, Trump “não quer conversar”.

“Não vou ligar para o Trump para negociar nada (sobre o tarifaço), porque ele não quer”, disse Lula, diante de ministros, empresários e representantes da sociedade civil. Em seguida, acrescentou: “Mas pode ficar certa, Marina [Silva, ministra do Meio Ambiente]. Vou ligar para o Trump para convidá-lo para a COP, quero saber o que é que ele pensa da questão climática”.

A Conferência das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas (COP) será realizada em Belém (PA), em 2025, e o governo brasileiro já sinaliza que deseja engajar líderes globais no evento. A provocação de Lula a Trump, contudo, evidencia a deterioração das relações bilaterais desde o anúncio da nova política tarifária americana.

Segundo levantamento da Secretaria de Comércio Exterior, as novas tarifas atingem 35,9% das exportações brasileiras aos EUA, o que equivale a aproximadamente US$ 14,5 bilhões, com base nos dados de 2024. Os setores mais atingidos incluem café, frutas e carnes, enquanto produtos como celulose, suco de laranja, petróleo, minério de ferro e aeronaves da Embraer foram incluídos em uma lista de exceções com cerca de 700 itens.

Embora outras dezenas de países também sejam afetados por aumentos nas tarifas americanas a partir de quinta-feira (7), nenhuma nação foi atingida com uma alíquota tão alta quanto o Brasil.

Lula também afirmou que o tarifaço tem motivações eleitorais, citando que a decisão dos EUA está diretamente ligada ao julgamento do ex-presidente Jair Bolsonaro no Supremo Tribunal Federal. Segundo ele, Trump usou o caso como justificativa para penalizar o Brasil, acusando o STF de liderar uma “caça às bruxas” contra Bolsonaro, um dos seus principais aliados internacionais. “O pretexto não é nem político, é eleitoral”, afirmou Lula, sugerindo que Trump tenta mobilizar sua base conservadora utilizando o Brasil como exemplo de suposto autoritarismo judicial.

A sobretaxa americana foi anunciada por meio de uma carta divulgada nas redes sociais de Trump, sem comunicação prévia ao governo brasileiro. Para Lula, isso mostra desrespeito institucional: “O presidente americano não tinha direito de anunciar taxações como anunciou ao Brasil”, criticou.

Na última sexta-feira (2), havia uma expectativa de reaproximação entre os dois líderes. Em resposta a um jornalista da TV Globo, Trump afirmou que “Lula pode falar comigo quando quiser”. Horas depois, Lula respondeu pela rede X (antigo Twitter), reafirmando que o Brasil sempre esteve aberto ao diálogo: “Quem define os rumos do Brasil são os brasileiros e suas instituições”, escreveu.

No entanto, a fala desta terça indica que o governo brasileiro já não enxerga viabilidade em uma reaproximação de curto prazo. Fontes do Palácio do Planalto afirmam que Lula esperava uma sinalização formal de abertura ao diálogo por parte de Washington, o que não aconteceu.

As novas tarifas chegam em um momento em que as exportações brasileiras aos Estados Unidos vinham crescendo. Os EUA são o segundo principal parceiro comercial do Brasil, atrás apenas da China. A sobretaxa representa um duro golpe especialmente para os setores do agronegócio e de alimentos processados.

Além do impacto econômico direto, a medida pode esfriar as relações diplomáticas entre os dois países. Diferente da União Europeia, Japão e Coreia do Sul, que também serão afetados por novas taxas, mas com percentuais menores, o Brasil se vê no centro de uma disputa política internacional marcada por interesses eleitorais e ideológicos.

Uma das poucas boas notícias foi a inclusão da Embraer na lista de produtos com tarifas reduzidas. A fabricante brasileira de aeronaves conseguiu negociar alíquota mais branda, o que evita um impacto direto em seus contratos com companhias aéreas americanas e mantém em funcionamento acordos estratégicos.

Apesar do impasse entre os presidentes, técnicos do Ministério da Fazenda e da Secretaria do Tesouro dos EUA mantêm conversas abertas. As tratativas envolvem a possível negociação de matérias-primas estratégicas, como terras raras e minerais críticos, usados na indústria de tecnologia. Segundo o ministro Fernando Haddad, o Brasil pode propor acordos bilaterais em setores sensíveis, como o de baterias elétricas.

Analistas internacionais avaliam que o gesto de Trump, ao mirar o Brasil com tarifas tão altas, pode ter efeito duplo: pressionar o governo Lula a adotar posturas mais favoráveis aos EUA em fóruns internacionais e enviar uma mensagem interna de firmeza para o eleitorado americano.

Nesse contexto, a aproximação entre Brasil, China e países do BRICS, e a proposta de uso de moedas alternativas ao dólar nas trocas comerciais internacionais, são vistos como fatores que incomodam a atual gestão americana.

O governo Lula promete responder às tarifas com ações diplomáticas e econômicas, incluindo apoio a empresas brasileiras prejudicadas e estímulo à diversificação de mercados. O Ministério das Relações Exteriores também analisa a possibilidade de acionar organismos internacionais de comércio, como a Organização Mundial do Comércio (OMC), embora sem previsão imediata de recurso.

Com o embate travado, o tarifaço imposto por Trump marca mais um episódio da crescente tensão entre as potências do continente. Para Lula, a disputa extrapola o comércio e coloca em xeque a soberania e a capacidade de reação do Brasil frente a medidas unilaterais.

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