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PONTE BIOCEÂNICA

8 mil quilômetros de economia e uma ponte sobre o Paraguai: o que falta para a Rota Bioceânica sair

Obras do anel viário em Porto Murtinho devem começar em setembro, prometendo transformar a região com a Rota Bioceânica.

9 setembro 2024 - 15h51Ricardo Eugenio
Obras da Ponte Bioceânica em andamento sobre o Rio Paraguai, conectando Porto Murtinho (MS) ao Paraguai.
Obras da Ponte Bioceânica em andamento sobre o Rio Paraguai, conectando Porto Murtinho (MS) ao Paraguai. - (Foto: Divulgação)

Nove meses após o anúncio oficial, as obras de um anel viário que promete transformar a pequena cidade de Porto Murtinho, no Mato Grosso do Sul, devem finalmente começar. Uma obra que, à primeira vista, parece apenas mais um trecho de asfalto, mas carrega consigo uma das maiores promessas de infraestrutura e comércio exterior da América do Sul: a Rota Bioceânica.

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Porto Murtinho, uma cidade até então conhecida pelo turismo de pesca no Rio Paraguai, começa a ser moldada para algo muito maior. A construção de um anel viário de pouco mais de 13 quilômetros, que ligará a rodovia BR-267 à Ponte Bioceânica, poderá reposicionar a região no mapa do comércio internacional. A ponte, por sua vez, vai atravessar o Rio Paraguai, conectando o Brasil ao Paraguai, mais especificamente à cidade de Carmelo Peralta, e faz parte de um projeto que visa abrir um novo corredor comercial. O objetivo: interligar o Atlântico ao Pacífico.

Hoje, se alguém quisesse enviar uma carga do Brasil até os portos do Pacífico, como os de Antofagasta ou Iquique, no Chile, o caminho natural passaria pelo Canal do Panamá. Um trajeto longo, caro e que envolve atravessar várias fronteiras. Mas o plano da Rota Bioceânica é diferente. Ele propõe um atalho terrestre que encurtaria essa distância em 8 mil quilômetros. E isso pode significar algo como 15 dias a menos de viagem — tempo que, no mundo do comércio global, vale ouro.

O canteiro de obras já está em marcha, mas quando começa a pavimentação? Apesar de a ordem de serviço ter sido assinada em dezembro do ano passado, o ritmo das obras tem seguido a tradicional lentidão dos projetos de grande porte no Brasil. Até agora, o que se vê são os alojamentos e escritórios do canteiro de obras sendo instalados. Mas o asfalto mesmo? Nada ainda. O Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes (Dnit) avisa, em tom burocrático, que "será em breve". Não é uma data precisa, mas a expectativa é que em algum momento de setembro as máquinas comecem a operar com força total.

Construção de instalações temporárias no canteiro de obras da Ponte Bioceânica, em Porto Murtinho (MS).
Construção de instalações temporárias no canteiro de obras da Ponte Bioceânica, em Porto Murtinho (MS).

O consórcio responsável pela construção, que reúne três empreiteiras (Paulitec, DP Barros e Construtora Caiapó), prevê gerar 280 empregos diretos e outros 160 indiretos. Para uma cidade pequena como Porto Murtinho, isso já é um impacto considerável, mas o burburinho maior não está na mão de obra gerada, e sim na promessa de transformar a cidade em um eixo logístico estratégico. O anel viário é só uma peça de um quebra-cabeça muito maior.

A ambição da Rota Bioceânica: mudar o jogo para o comércio internacional - A Rota Bioceânica é mais do que um projeto de infraestrutura; é uma tentativa de criar uma nova dinâmica no comércio entre Brasil, Paraguai, Argentina e Chile, mirando nos mercados asiáticos. Hoje, a maioria das exportações para a Ásia passa pelo Atlântico, navegando pelo Canal do Panamá até chegar ao Pacífico. Com a nova rota, essa logística seria completamente alterada, levando os produtos por rodovias até os portos chilenos do Pacífico e, de lá, diretamente para os mercados da Ásia, Oceania e até da costa oeste das Américas.

Não é só uma questão de encurtar a viagem. Há também a promessa de cortar custos de transporte, algo crucial para manter a competitividade no comércio global. A soja brasileira, por exemplo, é uma das principais commodities que pode ser beneficiada pela Rota Bioceânica. Menos tempo de transporte significa menos custo e maior competitividade frente a outros grandes exportadores como os Estados Unidos.

Mas para que isso se torne realidade, muita coisa precisa acontecer. Jaime Verruck, secretário de Estado de Meio Ambiente, Desenvolvimento, Ciência, Tecnologia e Inovação (Semadesc), avisa que o prazo de conclusão para as obras físicas — como a pavimentação das rodovias no Paraguai e Argentina, além da própria ponte sobre o Rio Paraguai — está previsto para o fim de 2026 ou início de 2027. "O impacto real só vai aparecer quando formos capazes de levar um produto de Mato Grosso do Sul até a China a um preço competitivo", resume Verruck.

O futuro de Porto Murtinho: de cidade pesqueira a polo logístico? Quem está de olho nessa transformação é Neodi Vicari, um empresário do setor de transportes e o maior investidor privado na região. Vicari apostou alto no projeto da Rota Bioceânica. Ele construiu um terminal rodoviário na BR-267, ao lado do futuro anel viário, com espaço para 400 caminhões. O terminal, que inclui restaurante e posto de combustível, será responsável por regular o fluxo de cargas que chegarão à ponte e aos terminais portuários. E ele não pretende parar por aí. O plano é expandir para mais 500 vagas e construir um hotel.

Veículos da expedição RILA estacionados em frente ao terminal Vicari, em Porto Murtinho, durante a etapa realizada em 24 de novembro de 2023. A expedição faz parte dos esforços de integração logística da Rota Bioceânica, conectando Brasil, Paraguai, Argen
Veículos da expedição RILA estacionados em frente ao terminal Vicari, em Porto Murtinho, durante a etapa realizada em 24 de novembro de 2023. A expedição faz parte dos esforços de integração logística da Rota Bioceânica, conectando Brasil, Paraguai, Argentina e Chile.

“Cada etapa vencida é uma conquista”, diz Vicari, que está confiante de que, até 2026, seus caminhões estarão rodando pela Bioceânica, conectando o Brasil ao mercado asiático. Com mais de R$ 40 milhões já investidos, o empresário acredita que Porto Murtinho não será mais apenas uma parada para pescadores ou viajantes, mas um ponto estratégico no comércio global.

Mas será que tudo isso vai mesmo acontecer? A Rota Bioceânica é, sem dúvida, um dos projetos mais ambiciosos de integração latino-americana dos últimos tempos. Mas ele não está isento de desafios. Para além das questões físicas — como a pavimentação das estradas e a conclusão da ponte —, há uma série de obstáculos burocráticos e logísticos a serem superados. A travessia das fronteiras, por exemplo, é uma questão delicada. Para que a rota seja competitiva, será preciso resolver gargalos no trânsito de mercadorias entre os países, que envolvem desde tarifas até questões alfandegárias.

Porto Murtinho, que hoje ainda vive o ritmo tranquilo de uma cidade ribeirinha, pode se transformar completamente nos próximos anos. Mas, como acontece com muitos projetos no Brasil, entre o sonho e a realidade, há uma longa estrada — e, neste caso, com vários quilômetros a serem pavimentados.

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