
Nove meses após o anúncio oficial, as obras de um anel viário que promete transformar a pequena cidade de Porto Murtinho, no Mato Grosso do Sul, devem finalmente começar. Uma obra que, à primeira vista, parece apenas mais um trecho de asfalto, mas carrega consigo uma das maiores promessas de infraestrutura e comércio exterior da América do Sul: a Rota Bioceânica.

Porto Murtinho, uma cidade até então conhecida pelo turismo de pesca no Rio Paraguai, começa a ser moldada para algo muito maior. A construção de um anel viário de pouco mais de 13 quilômetros, que ligará a rodovia BR-267 à Ponte Bioceânica, poderá reposicionar a região no mapa do comércio internacional. A ponte, por sua vez, vai atravessar o Rio Paraguai, conectando o Brasil ao Paraguai, mais especificamente à cidade de Carmelo Peralta, e faz parte de um projeto que visa abrir um novo corredor comercial. O objetivo: interligar o Atlântico ao Pacífico.
Hoje, se alguém quisesse enviar uma carga do Brasil até os portos do Pacífico, como os de Antofagasta ou Iquique, no Chile, o caminho natural passaria pelo Canal do Panamá. Um trajeto longo, caro e que envolve atravessar várias fronteiras. Mas o plano da Rota Bioceânica é diferente. Ele propõe um atalho terrestre que encurtaria essa distância em 8 mil quilômetros. E isso pode significar algo como 15 dias a menos de viagem — tempo que, no mundo do comércio global, vale ouro.
O canteiro de obras já está em marcha, mas quando começa a pavimentação? Apesar de a ordem de serviço ter sido assinada em dezembro do ano passado, o ritmo das obras tem seguido a tradicional lentidão dos projetos de grande porte no Brasil. Até agora, o que se vê são os alojamentos e escritórios do canteiro de obras sendo instalados. Mas o asfalto mesmo? Nada ainda. O Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes (Dnit) avisa, em tom burocrático, que "será em breve". Não é uma data precisa, mas a expectativa é que em algum momento de setembro as máquinas comecem a operar com força total.
Construção de instalações temporárias no canteiro de obras da Ponte Bioceânica, em Porto Murtinho (MS).
O consórcio responsável pela construção, que reúne três empreiteiras (Paulitec, DP Barros e Construtora Caiapó), prevê gerar 280 empregos diretos e outros 160 indiretos. Para uma cidade pequena como Porto Murtinho, isso já é um impacto considerável, mas o burburinho maior não está na mão de obra gerada, e sim na promessa de transformar a cidade em um eixo logístico estratégico. O anel viário é só uma peça de um quebra-cabeça muito maior.
A ambição da Rota Bioceânica: mudar o jogo para o comércio internacional - A Rota Bioceânica é mais do que um projeto de infraestrutura; é uma tentativa de criar uma nova dinâmica no comércio entre Brasil, Paraguai, Argentina e Chile, mirando nos mercados asiáticos. Hoje, a maioria das exportações para a Ásia passa pelo Atlântico, navegando pelo Canal do Panamá até chegar ao Pacífico. Com a nova rota, essa logística seria completamente alterada, levando os produtos por rodovias até os portos chilenos do Pacífico e, de lá, diretamente para os mercados da Ásia, Oceania e até da costa oeste das Américas.
Não é só uma questão de encurtar a viagem. Há também a promessa de cortar custos de transporte, algo crucial para manter a competitividade no comércio global. A soja brasileira, por exemplo, é uma das principais commodities que pode ser beneficiada pela Rota Bioceânica. Menos tempo de transporte significa menos custo e maior competitividade frente a outros grandes exportadores como os Estados Unidos.
Mas para que isso se torne realidade, muita coisa precisa acontecer. Jaime Verruck, secretário de Estado de Meio Ambiente, Desenvolvimento, Ciência, Tecnologia e Inovação (Semadesc), avisa que o prazo de conclusão para as obras físicas — como a pavimentação das rodovias no Paraguai e Argentina, além da própria ponte sobre o Rio Paraguai — está previsto para o fim de 2026 ou início de 2027. "O impacto real só vai aparecer quando formos capazes de levar um produto de Mato Grosso do Sul até a China a um preço competitivo", resume Verruck.
O futuro de Porto Murtinho: de cidade pesqueira a polo logístico? Quem está de olho nessa transformação é Neodi Vicari, um empresário do setor de transportes e o maior investidor privado na região. Vicari apostou alto no projeto da Rota Bioceânica. Ele construiu um terminal rodoviário na BR-267, ao lado do futuro anel viário, com espaço para 400 caminhões. O terminal, que inclui restaurante e posto de combustível, será responsável por regular o fluxo de cargas que chegarão à ponte e aos terminais portuários. E ele não pretende parar por aí. O plano é expandir para mais 500 vagas e construir um hotel.
Veículos da expedição RILA estacionados em frente ao terminal Vicari, em Porto Murtinho, durante a etapa realizada em 24 de novembro de 2023. A expedição faz parte dos esforços de integração logística da Rota Bioceânica, conectando Brasil, Paraguai, Argentina e Chile.
“Cada etapa vencida é uma conquista”, diz Vicari, que está confiante de que, até 2026, seus caminhões estarão rodando pela Bioceânica, conectando o Brasil ao mercado asiático. Com mais de R$ 40 milhões já investidos, o empresário acredita que Porto Murtinho não será mais apenas uma parada para pescadores ou viajantes, mas um ponto estratégico no comércio global.
Mas será que tudo isso vai mesmo acontecer? A Rota Bioceânica é, sem dúvida, um dos projetos mais ambiciosos de integração latino-americana dos últimos tempos. Mas ele não está isento de desafios. Para além das questões físicas — como a pavimentação das estradas e a conclusão da ponte —, há uma série de obstáculos burocráticos e logísticos a serem superados. A travessia das fronteiras, por exemplo, é uma questão delicada. Para que a rota seja competitiva, será preciso resolver gargalos no trânsito de mercadorias entre os países, que envolvem desde tarifas até questões alfandegárias.
Porto Murtinho, que hoje ainda vive o ritmo tranquilo de uma cidade ribeirinha, pode se transformar completamente nos próximos anos. Mas, como acontece com muitos projetos no Brasil, entre o sonho e a realidade, há uma longa estrada — e, neste caso, com vários quilômetros a serem pavimentados.
