
Em um momento histórico para as relações entre anglicanos e católicos, o rei Charles III e a rainha Camilla participaram nesta quinta-feira, 23, de um culto ecumênico ao lado do Papa Leão XIV na Capela Sistina, no Vaticano. A cerimônia marcou a primeira vez desde a Reforma Protestante, no século XVI, que os líderes das duas igrejas rezaram juntos em público.

O serviço foi presidido pelo pontífice e pelo arcebispo de York, Stephen Cottrell, o segundo mais alto cargo da Igreja Anglicana. Durante a celebração, o rei e a rainha sentaram-se em tronos dourados posicionados diante do “Juízo Final”, afresco de Michelangelo, símbolo máximo da Capela Sistina.
Cerimônia uniu coros e símbolos históricos - A trilha sonora do momento reforçou o tom de reconciliação: hinos religiosos foram executados por coros mistos da Capela Sistina e das capelas reais britânicas de Windsor e St. James. A escolha musical expressava o elo cultural entre as duas tradições cristãs, que se separaram oficialmente em 1534, quando Henrique VIII fundou a Igreja Anglicana após romper com Roma.
Em outro gesto simbólico, Charles III foi homenageado horas depois na Basílica de São Paulo Fora dos Muros, onde recebeu o título de “Confrade Real” — uma honraria espiritual que reafirma a intenção de comunhão entre as igrejas. A cadeira destinada ao monarca britânico ficará permanentemente no templo, com seu brasão e a inscrição em latim “Ut Unum Sint” (“Que sejam um”).
Segundo o cardeal Vincent Nichols, arcebispo de Westminster, a visita do rei dá continuidade à relação próxima entre o Vaticano e a monarquia britânica, que foi fortalecida durante o reinado da rainha Elizabeth II. “O Papa e o rei reunidos diante de Deus em oração é um exemplo de cooperação genuína”, declarou Nichols.
Ele destacou ainda o papel constitucional de Charles III como chefe da Igreja da Inglaterra e seu compromisso declarado com a liberdade religiosa no Reino Unido.
A visita, no entanto, ocorre em meio a um cenário delicado para a monarquia britânica. O príncipe Andrew, irmão do rei, voltou a ser alvo de críticas após novas revelações sobre seu envolvimento com o caso Jeffrey Epstein. Na última semana, ele renunciou oficialmente ao título de Duque de York, aumentando a pressão para que seja removido de suas funções e da residência real próxima ao Castelo de Windsor.
As novas denúncias surgem com o lançamento de um livro de memórias de Virginia Giuffre, uma das principais acusadoras do milionário condenado por abuso sexual. Andrew nega as acusações.
Crise também atinge a Comunhão Anglicana - Além da crise familiar, Charles III também enfrenta desafios institucionais. A recente eleição de Sarah Mullally como primeira mulher arcebispa de Canterbury intensificou divisões dentro da Comunhão Anglicana, especialmente com setores conservadores da África e da Ásia.
Em resposta, a Global Fellowship of Confessing Anglicans (Gafcon) anunciou a ruptura de laços com a hierarquia tradicional da comunhão. O grupo rejeita a ordenação de mulheres como bispas e critica posições mais progressistas em relação à comunidade LGBTQ adotadas por igrejas do Reino Unido e dos Estados Unidos.
A nova estrutura “reordenada” proposta pela Gafcon ameaça a unidade global da Igreja Anglicana, que conta com mais de 85 milhões de fiéis em 165 países.
Apesar das tensões internas, a visita ao Vaticano foi considerada um marco. A ausência de Mullally na delegação foi justificada pela ainda não formalização de sua posse como nova líder espiritual da Igreja da Inglaterra. Sua presença, porém, poderá ser determinante em futuros encontros.
Para o rei Charles III, o momento representou mais do que um gesto religioso: foi uma tentativa clara de renovar o diálogo entre tradições cristãs e reafirmar seu papel como defensor da fé e da harmonia religiosa em tempos de fragmentação.
