
Em Bonito, a cidade do Mato Grosso do Sul que costuma aparecer nas fotos por suas águas claras e grutas profundas, o cinema tem tomado outro espaço. Nos últimos anos, o Bonito CineSur deixou de ser apenas um evento de calendário para virar um espaço de circulação: de filmes, de ideias, de gente.

Em 2025, o festival chega à terceira edição com 63 obras de nove países sul-americanos. A maioria dos filmes é recente, mas o que marca esta edição é também o que ficou das anteriores. O CineSur começa a construir uma memória própria — dos filmes que já passaram, dos artistas que vieram, das histórias que continuam reverberando mesmo quando a tela já apagou.
A atriz paraguaia Ana Brun, por exemplo, volta este ano ao festival para ser homenageada. Em 2018, ela ganhou o Urso de Prata em Berlim por “Las Herederas”, que será reexibido na abertura do festival. Além disso, ela será a primeira artista a participar de uma nova ação do evento: “As Pegadas da Memória do Cinema Sul-Americano”. A proposta é simples: onze artistas convidados deixarão suas mãos moldadas em placas que ficarão expostas na cidade. Junto delas, a marca da pata de animais da fauna local. Um gesto de lembrança e também de presença.
Filmes que voltam, ideias que ficam - O CineSur não funciona como vitrine de mercado. Ele se construiu como espaço de escuta e formação. Filmes premiados em anos anteriores seguem em circulação: “Sinfonia da Sobrevivência”, de Michel Coeli, e “La Cuenca”, do coletivo chileno Left Hand Rotation, seguem sendo exibidos em outros países e debates.
A diretora argentina Valentina Qaszulxkef, que levou o prêmio de melhor curta em 2023 com “Amor en los tiempos de cualquier que sea el nombre presente”, também ampliou o alcance da obra depois da exibição em Bonito.
O que o festival oferece não é uma plataforma de lançamento — mas um lugar onde o filme pode encontrar tempo, atenção e contexto.
Cinema que se aprende - Uma parte do festival que cresce a cada edição é a Mostra MS, voltada a produções do Mato Grosso do Sul. O Troféu Pantanal, criado para valorizar o cinema feito no estado, já premiou filmes como “Jardim de Pedra – Vida e Morte de Glauce Rocha”, dirigido por Daphyne Schiffer Gonzaga. Este ano, seis novos curtas concorrem ao prêmio.
Outra frente forte do festival é a de formação. O Bonito CineSur Educa oferece oficinas para jovens, estudantes e moradores da cidade. Muitos participam das sessões como público e como realizadores. Curtas feitos em oficinas de animação e iniciação ao cinema são exibidos nas mesmas salas que os longas internacionais. Isso evita que se crie uma separação entre quem faz e quem assiste.
Programação como escolha - A seleção deste ano mescla gêneros, estilos e formatos. O longa brasileiro “A Melhor Mãe do Mundo”, de Anna Muylaert, retrata a vida de uma mãe catadora com os filhos em São Paulo. Em “Brasiliana”, de Joel Zito Araújo, o foco é a música, os palcos e a memória de uma companhia artística que levou o Brasil negro para o exterior.
Outros títulos, como “Chuzalongo” (Equador) e “Quinografía” (Argentina), propõem olhares distintos sobre temas como mitologia, religião, ética e criação gráfica. A Mostra Ambiental, uma das marcas do festival, inclui filmes como “Rua do Pescador nº 6”, de Bárbara Paz, e “Kopenawa: Sonhar a Terra-Floresta”, que ligam meio ambiente a modos de vida.
Na sessão especial Memória CineSur, o filme “Conceição dos Bugres” homenageia a artista sul-mato-grossense que transformou a madeira em gesto contínuo de expressão.
Uma pegada por vez - Aos poucos, o CineSur vai ganhando identidade própria. Em 2024, o evento mobilizou mais de cinco mil pessoas. A edição de 2025 terá novas sessões, oficinas, pré-estreias e um formato que inclui o público sem obrigar ninguém a entender tudo de cinema.
A ideia não é correr. É insistir. Fazer com que, num lugar mais conhecido pelo turismo de natureza, também haja espaço para o cinema — como prática, linguagem, profissão e presença cotidiana.
O festival é realizado pela Associação Amigos do Cinema e da Cultura (AACIC) com apoio institucional e patrocínios públicos e privados. A programação completa está disponível no site bonitocinesur.com.br.
