
A psicóloga, pesquisadora e escritora Maria Carol, 28 anos, levou sua voz e sua escrita para um dos palcos mais importantes da literatura nacional: a Festa Literária Internacional de Paraty (Flip) 2025. Mulher negra, lésbica, neta de nordestinos e autora do livro Cartas aos afetos, ela participou de uma mesa na Casa Queer, espaço oficial dedicado a vivências LGBTQIAPN+ durante o evento.

“Estar nesses espaços como escritora publicada é de uma emoção tamanha. A literatura tem me levado a eventos que antes pareciam ser somente sonhos distantes, mas cada vez mais tenho entendido que esses lugares também são meus”, afirma.
Para ela, a participação vai além da conquista pessoal. “Não quero ser exceção, sou continuidade. Espero que, com a minha inserção na literatura, outras pessoas negras possam estar também”, diz.
O interesse pela escrita nasceu cedo. Maria Carol lembra de crescer cercada por histórias contadas pela família e pelas páginas de gibis. “Minha família materna é muito grande, então desde criança aprendi a ser entusiasta de histórias, escutava as narrativas atentamente, como se estivesse entrando em contato com grandes tesouros”, recorda.
O incentivo veio de várias frentes. “Meus pais sempre incentivaram a leitura. Quando podiam, compravam gibi para que eu e meu irmão João pudéssemos ler. Minhas tias também contribuíram, especialmente uma que trabalhava como cozinheira no Sesi. Ela ganhava exemplares do Sesinho e me dava todo mês. Eu esperava ansiosamente a nova edição”, relata.
Aos oito anos, pediu um diário de presente. “Foi naquele diário com capa vermelha e estampa de ursinhos que entendi que a escrita me faria companhia a vida toda”, afirma.
O posicionamento político também nasceu no ambiente acadêmico. “Comecei a ter letramento racial pouco antes de ingressar na faculdade de Psicologia, em 2017. Eu era uma das poucas alunas negras na sala e percebi a ausência de outras iguais a mim”, explica.
A partir daí, passou a direcionar seus estudos e atuação profissional. “Não há como pensar em saúde mental sem considerar os impactos negativos do racismo. Não há como existir antirracismo se continuarmos legitimando somente epistemologias eurocêntricas. Faço uso da academia e da arte para trazer outras narrativas possíveis para pessoas negras”, defende.

A pandemia de 2020 foi o cenário em que surgiu o livro. “Era pandemia e eu me apaixonei por uma mulher com quem conversava à distância. Aquela escrita foi colo para mim e poderia abraçar outras existências”, diz.
O livro, inicialmente sem intenção de publicação, acabou ganhando vida própria. “Nossa forma de amar é legítima, linda e política. Uma mulher negra e lésbica publicou um livro sobre amar mulheres. Considero isso revolucionário”, afirma.
O retorno do público comprova o impacto. “Recebo mensagens de muitas mulheres lésbicas e bissexuais falando sobre como se conectaram com o livro. Não é só sobre mim, é sobre nós”, pontua.
Na Flip, Maria Carol participou da mesa Dizer é um lugar, ao lado de Jessica Balbino, Cris Judar e Camila Marins. “Foi uma forma linda e política de deixar minha marquinha na Flip. Estive do lado de grandes nomes da literatura, foi emocionante e rico, cheio de sorrisos e lágrimas, da raiva ao amor”, descreve.
Um dos momentos mais marcantes foi o encontro com Conceição Evaristo. “Agradeci por sua literatura. Me tornei escritora e mestra em Psicologia porque conheci as escrevivências e entendi que nossa existência é legítima e merece estar nos livros e dissertações”, revela.
Na lista de inspirações estão Conceição Evaristo, Ryane Leão e Elayne Baeta. “Conhecer a literatura de Conceição mudou minha vida. Ryane me lembra que a mulher negra não é feita só de dor, e Elayne publicou o primeiro romance lésbico que li. Elas me mostram que sonhar é possível e realizar é ainda mais gostoso”, diz.
Para Maria Carol, cada passo é também um ato político. “A literatura é o que nos permite existir. Quero que mais pessoas negras, lésbicas e dissidentes ocupem esses espaços. Não é só sobre escrever, é sobre resistir”, conclui.
