
Morreu neste domingo (24), no Rio de Janeiro, Jaguar, cartunista e um dos fundadores do jornal O Pasquim, aos 93 anos. A informação foi confirmada pela viúva do artista, Celia Regina Pierantoni, ao jornal O Globo.

Nascido como Sérgio de Magalhães Gomes Jaguaribe, no dia 29 de fevereiro de 1932 — uma data já inusitada —, Jaguar foi um dos maiores nomes do humor gráfico no Brasil e uma figura central na imprensa alternativa durante a ditadura militar (1964-1985).
Irônico, debochado e sempre disposto a desafiar o poder com suas charges e colunas, Jaguar marcou a cultura brasileira com personagens icônicos, páginas memoráveis e declarações que misturavam acidez e bom humor.
Paixão pelos bares, desenhos e o Rio
Mesmo tendo vivido parte da infância em Juiz de Fora e Santos, Jaguar sempre se identificou com o Rio, embora afirmasse: “De carioca autêntico eu não tenho nada. Eu curto o Rio como se fosse um cara de fora.”
Boêmio confesso, chegou a dizer que em um dia chegou a tomar 50 latinhas de cerveja. O amor pelo bar e pela cidade se traduziu em livros como Confesso que Bebi (2001) e Ipanema – Se Não Me Falha a Memória (2000), onde relatava as décadas de ouro da zona sul carioca.
Personagens e traço debochado
Apesar de declarar que “detestava desenhar”, Jaguar criou figuras marcantes no humor nacional. Entre elas, o ratinho Sig, símbolo do Pasquim e admirador de Odete Lara e Tânia Scher. Também ficaram famosos Gastão, o Vomitador, e Bóris, o Homem-Tronco, todos impregnados de crítica social.
Jaguar dizia que sua motivação para desenhar era simples: “Tenho que entregar a porra do desenho, senão não me pagam”.
O Pasquim: resistência em tempos de repressão
Criado em 1969, O Pasquim foi um dos veículos mais combativos da imprensa brasileira durante os anos de chumbo. Jaguar fundou o semanário ao lado de nomes como Sérgio Cabral, Tarso de Castro e Claudius, reunindo colunistas e cartunistas como Ziraldo, Millôr Fernandes, Henfil, Ivan Lessa e Paulo Francis.
A publicação sobreviveu à censura com bom humor e criatividade: chegou a mandar para os censores trechos de Os Sertões e Rachel de Queiroz apenas para dificultar o trabalho da repressão. Ainda assim, muitos da equipe foram presos — incluindo o próprio Jaguar.“Nós esperávamos o AI-5 para lançar um jornal de humor político. Brilhante, né?”, ironizava.
Jaguar na abertura da exposição 'O Pasquim: 50 Anos', no Sesc Ipiranga, em novembro de 2019. Foto: Christina Rufatto/Estadão
Polêmicas, medalhas e ovos
Nunca foi afeito à reverência. Em 1999, protestou contra a entrada de Roberto Campos na ABL com uma promessa de jogar ovos podres. Acabou deixando três ovos cozidos na calçada da Academia como gesto simbólico.
Mais tarde, devolveu a Medalha Pedro Ernesto da Câmara do Rio ao descobrir que o então deputado Roberto Jefferson também a receberia.
Em 2008, Jaguar e Ziraldo receberam indenizações da Comissão de Anistia por perseguição durante o regime militar. Jaguar teve direito a R$ 1 milhão e pensão mensal de R$ 4 mil. A reação negativa à reparação o incomodou profundamente.
Banco do Brasil, disciplina e prisão
Antes da fama, trabalhou por 17 anos no Banco do Brasil, onde dizia ter aprendido disciplina: "Nunca tive uma falta. Isso foi fundamental na minha vida."
Mesmo durante a boemia e as aventuras jornalísticas, dizia que sempre entregava seus trabalhos no prazo. A rotina só mudou quando precisou escolher entre o banco e o Pasquim.
Foi preso durante o auge da repressão ao jornal. Para despistar, chegou a se esconder na casa de Flávio Cavalcanti, apresentador de direita. Entregou-se por lealdade a Paulo Francis e enfrentou a cadeia com doses de humor e cachaça, que, segundo ele, subornava os guardas para conseguir.
Fim da linha
Jaguar enfrentou câncer no fígado e cirrose a partir de 2012. Chegou a brincar com o diagnóstico: “Falei pro médico: ‘Então vou viver? Que sacanagem, já tinha feito todo o esquema da minha morte, agora vou ter que voltar a fazer planos’.”
Nos últimos anos, apareceu pouco em público, mas seguiu influente no meio cultural e respeitado por gerações de jornalistas, cartunistas e leitores.
