
Na véspera dos 11 anos de sua passagem, a alma simples e grandiosa de Manoel de Barros foi celebrada em um evento que foi muito mais que um tributo: foi uma imersão afetiva em seu universo poético. Realizado no Auditório Paulo Freire da UNIRIO, o encontro reuniu presencial e virtualmente cerca de 200 pessoas – entre escritores, professores, pesquisadores e admiradores – em uma jornada comovente pelas veredas abertas pelo poeta.
A oficina, que se estendeu da tarde até a noite de quarta-feira (12), transformou-se em um verdadeiro rio de reflexões, onde fluiu a "simplicidade erudita" e a "potência do pensamento" que definem a obra de Manoel. Especialistas de instituições como UFRJ, USP, UFGD e Universidade do Pama concordaram: sua poesia é um chamado para enxergar o mundo com os olhos deslumbrados da infância, "onde na ponta do lápis só tem nascimento".
Bosco Martins e Raylla Mirela Gestora do Museu Casa-Quintal Manoel de Barros representam MS no debate nacional sobre o poeta Manoel de BarrosO Amor como Obra-Prima: Stella, a Cúmplice Eterna - O ápice da emoção veio com a participação do jornalista e escritor Bosco Martins, autor do belíssimo "Diálogos do Ócio". Ele trouxe à tona a figura fundamental por trás do gênio: Stella, esposa do poeta por 64 anos, sua musa inspiradora e farol crítico. Com a voz embargada, Martins leu trechos de seu livro, usando o apelido carinhoso "Nequinho", e revelou a história de um amor profundo que era o próprio alicerce da criação poética.
Ele compartilhou um trecho comovente no qual o próprio Manoel confessava: "Já sofri pra escrever... já padeci. [...] e ainda boto para Stella ver. Se ela acha ruim, aponta para meu escritório [...] e diz: Pode subir, vai trabalhar mais. Assim não está bom. [...] Ás vezes, ela fala assim: Ainda não é você, ainda não chegou a ser Manoel."
Professor Elton Luiz Leite de Souza (UNIRIO) segundo a esquerda, organizador e docentes que estudam a obra de Manoel de Barros no RJValéria Arruda, gestora do Museu Casa-Quintal Manoel de Barros, ecoou essa admiração. Comovida, ela lembrou: "Ele tinha uma admiração muito grande por ela. Na casa, ela tinha voz, ela mandava e isso que dava liberdade para ele. Ela sempre foi apaixonada pelo homem Manoel e ele apaixonado por ela." A narrativa de que Stella faleceu na véspera do aniversário de 103 anos do poeta, na casa que hoje abriga o museu, acrescentou uma camada de lirismo e destino à história do casal, arrancando lágrimas e aplausos dos participantes, que expressavam sua comoção através de emojis de coração e palmas na transmissão online.
Um Legado que Desinventa o Mundo - Os especialistas destacaram como a obra de Manoel de Barros adota uma linguagem ecológica e universal, que rejeita o lugar-comum para celebrar o primitivo e o insignificante. O professor Elton Luiz Leite de Souza, um dos organizadores do evento, enfatizou que "a potência do pensamento" do poeta não se restringe à literatura, mas transborda para um modo de vida, um convite para sermos "bobos", na acepção que Clarice Lispector daria à palavra.
Stella Barros com o poeta e Bosco na residencia transformada em Museu-Casa Quintal Manoel de Barros.Ficou claro que Manoel não era um otimista ou pessimista, mas um explorador incansável do "estado devir". Ele nos ensinou a "desinventar" o mundo, a buscar o "criançamento" nas palavras e a encontrar a eternidade não no grandioso, mas nas miudezas do quintal, no caminhar lento do caramujo e na coragem de desaprender para, então, verdadeiramente enxergar.
O evento não apenas debateu o legado de Manoel de Barros; ele o fez pulsar, provando que sua poesia continua viva, inspirando novas gerações a encontrar a liberdade e a maravilha que, como ele mesmo ensinou, a gente só aprende na infância.

