
Na esquina da Rua Anhanduí com a Fernando Corrêa da Costa, em Campo Grande, uma cena chama atenção: um grupo de travestis caminha em direção ao teatro. Não há escândalo. Não há espetáculo. Há presença. Uma travessia literal e simbólica do espaço urbano à cena institucionalizada da arte.

É ali que começa o “Culto das Travestis”, performance da Coletiva De Trans pra Frente, apresentada na programação do Sesc Teatro Prosa na noite de sexta-feira, 29 de agosto. O trabalho une dança, teatro e performance para refletir sobre os corpos trans e travestis, e como eles ocupam – ou são impedidos de ocupar – espaços públicos e simbólicos na sociedade.
O percurso, da rua até o teatro, é parte da proposta estética. Não se trata apenas de apresentar algo no palco, mas de romper com o isolamento dos ambientes formais da arte. O “culto”, aqui, não tem nada de religioso. É um rito de presença. Uma forma de existir sem pedir permissão.
Programação diversa no Sesc - A performance integra a programação semanal do Sesc MS, que vai de 27 de agosto a 2 de setembro, no Teatro Prosa. A agenda inclui sessões de cinema, shows musicais, oficinas e concertos, todos com entrada gratuita.
A semana começou com a exibição de “Tia Virgínia”, filme de Fábio Meira, que acompanha o cotidiano de uma mulher de 70 anos que cuida da mãe idosa. Na quinta-feira, 28, o palco recebeu a cantora Dany Cristinne, com um repertório dedicado a grandes nomes do pop e do rock.

No sábado, o público infantil teve vez com a animação brasileira “Tarsilinha”, inspirada no universo da pintora Tarsila do Amaral. Já a terça-feira encerra a programação com a 1ª Mostra de Cordas Dedilhadas, com repertório de violão, viola caipira e apresentações de músicos e estudantes do Centro de Arte Viva.
Apesar da diversidade, a apresentação da Coletiva De Trans pra Frente se destaca. Mais do que entreter, ela provoca, questiona e ressignifica a relação entre arte e cidade.
Corpo, cena e política - Em um país onde a expectativa de vida de pessoas trans e travestis é de apenas 35 anos, ver essas artistas caminhando, performando e sendo vistas é um gesto político. A performance é silenciosa, mas não discreta. Ela tensiona o olhar de quem passa, de quem assiste, de quem finge não ver.
Há um esforço em construir outras imagens. Não é um espetáculo sobre sofrimento. Tampouco é sobre celebração vazia. É sobre estar ali, com o corpo presente, habitando o tempo e o espaço como direito.
Se a arte, muitas vezes, ainda insiste em deixar de fora vozes e corpos não normativos, o “Culto das Travestis” faz o movimento oposto: entra pela porta da frente, vinda da rua, e convida o público a repensar o próprio conceito de palco.
Arte como travessia - A ideia de travessia – presente no termo “travesti” – é também o eixo central dessa criação. A travessia não apenas de um espaço a outro, mas de um entendimento a outro. De um corpo estigmatizado a um corpo em cena.
O Sesc, nesse contexto, cumpre um papel relevante ao abrir espaço para diferentes expressões culturais, garantindo acesso gratuito a eventos que, além de artísticos, funcionam como instrumento de cidadania e transformação social.
Não há aplauso suficiente para dar conta do que essa performance representa. Mas há silêncio. E, muitas vezes, é nele que a arte cumpre seu papel mais profundo: o de incomodar, deslocar e fazer pensar.
