
Vinte e cinco anos após emocionar plateias e revelar nomes como Wagner Moura, Lázaro Ramos e Vladimir Brichta, a peça A Máquina retorna aos palcos em uma nova versão comemorativa, em cartaz no recém-inaugurado Teatroiquè, em São Paulo. A fábula escrita por Adriana Falcão e dirigida por João Falcão ganha nova leitura com elenco renovado, espaço alternativo e atualizações no texto que dialogam com os tempos atuais.

A montagem de 2000 foi marcada por sua proposta original e sensível: quatro atores se revezando no papel de Antônio, o protagonista apaixonado que tenta transformar o mundo por amor. Agora, a nova encenação repete a mesma estrutura, mas com novos nomes — todos integrantes do coletivo paulistano Ocutá — e uma importante evolução: o protagonismo negro não é mais exceção, é regra. Alexandre Ammano, Bruno Rocha, Marcos Oli e Vitor Britto são os quatro Antônios desta temporada.
“Fiquei impressionado com o entrosamento e o talento dos atores do Ocutá. Eles já trabalham em conjunto, o que facilitou muito o processo de ensaios, que foi curto, menos de dois meses”, relata João Falcão. Com Agnes Brichta no papel de Karina, o espetáculo se conecta afetivamente ao passado: ela é filha de Vladimir Brichta, um dos atores da montagem original.
O palco circular giratório — concebido pelo próprio diretor — permanece como marca da encenação, agora movimentado pelos próprios atores com os pés, reforçando a metáfora de que o “motor” da história é o homem. A arena, construída especialmente para o espetáculo, é cercada por quatro arquibancadas, onde cada setor do público presencia a performance de um Antônio diferente. A construção narrativa é feita em formato de jogral, com falas divididas entre os atores de maneira fluida e musical.
A peça se passa na fictícia Nordestina, uma cidade do interior onde os moradores sonham em partir. Apenas Antônio, funcionário número 19 da prefeitura local, deseja permanecer — movido por seu amor por Karina, que sonha ser atriz de televisão. Para agradá-la, ele cria uma máquina do tempo com o objetivo de antecipar o ambiente que ela encontraria no futuro.
Na versão original, escrita em 2000, o destino da máquina era o ano de 2025. Agora, a viagem é projetada para 2050. A mudança de época também trouxe nova perspectiva: antes, Antônio encontrava um futuro caótico e voltava com a missão de mudar o presente. Agora, ele encontra uma sociedade idealizada e retorna com o desejo de inspirar as pessoas a transformarem o mundo em algo semelhante ao que viu.
O texto também foi ajustado para dialogar com os temas contemporâneos, como redes sociais e inteligência artificial. “Tem um negócio que filma a pessoa fazendo o que ela não fez”, diz Antônio em referência à IA. Segundo João Falcão, essas mudanças foram sutis, mas fundamentais. “A estrutura permanece a mesma, mas era importante trazer elementos do presente. Em 2000, já era relevante termos um protagonista negro. Hoje, temos um elenco majoritariamente negro, e isso é um reflexo dos avanços sociais nesses anos.”
Outro destaque da nova versão é a valorização da personagem Karina, que agora ganha maior protagonismo. “Ela é peça central da transformação de Antônio e do enredo. Era preciso atualizar esse papel”, reforça o diretor.
O retorno de A Máquina emociona também os envolvidos na primeira montagem. Gustavo Falcão, sobrinho do diretor e integrante do elenco original, agora atua como codiretor e responsável pela preparação corporal do novo elenco. “Foi como reviver tudo outra vez. A movimentação do palco, os ritmos, tudo voltou como se o tempo não tivesse passado”, diz ele.
Para os novos atores, o desafio é grande, mas inspirador. “Temos imenso respeito pela criação original, mas é nossa vez de renovar esse ciclo com a mesma poesia e entrega”, afirma Bruno Rocha. A entrega é literal: os ensaios incluíram treinos físicos diários e intenso trabalho de construção coletiva, para criar uma encenação fluida e viva.
A peça permanece atual ao abordar sonhos, desigualdades, tempo e afeto com lirismo e sensibilidade. “A Máquina trouxe o mundo para a gente”, disse Wagner Moura ao relembrar a peça que foi um marco em sua carreira e na história recente do teatro brasileiro.
A nova versão de A Máquina está em cartaz no Teatroiquè, localizado em um antigo estúdio de gravação adaptado especialmente para a montagem. A temporada marca não apenas um reencontro com o público, mas a reafirmação do teatro como espaço de memória, renovação e futuro.
