
Às margens do rio Taquari, uma cena desoladora se desenha sob o calor implacável do Pantanal. O silêncio é rompido apenas pelo som dos passos de policiais ambientais que, com certo desespero, tentam resgatar novilhos debilitados, oferecendo água de garrafas térmicas e retirando aqueles que, atolados na lama, não conseguem mais se erguer. Mais de 50 bovinos mortos já estão espalhados pelo terreno seco, enquanto cerca de 1000 permanecem vivos, mas à beira do colapso, sem comida, sem água, sem condições de sobrevivência.

Desde o início da semana, a Polícia Militar Ambiental de Coxim está mergulhada nesse cenário. A fazenda em questão, uma propriedade às margens do rio Taquari, foi abandonada por seu dono, que não só deixou para trás o maquinário e os pastos secos, mas também os animais, vítimas de uma seca que vem castigando o Pantanal. Após quatro dias de investigação, a PMA localizou o proprietário da fazenda, que foi preso neste domingo em Campo Grande e encaminhado à Delegacia de Polícia de Rio Verde. No entanto, o fazendeiro foi solto no mesmo dia, após prestar depoimento.
Confira no vídeo como a seca e o abandono transformaram o Pantanal em um cenário de desespero animal:
O Pantanal que seca e a negligência que mata - A fazenda está localizada em uma região conhecida como Tupã, um espaço que já foi rico em água e pastagens, mas que, como boa parte do Pantanal, foi brutalmente atingido pela seca nos últimos anos. A falta de chuvas transformou a paisagem em um cenário árido, e o que antes era um campo fértil virou um deserto em que os bovinos lutam para sobreviver. O proprietário da fazenda, entretanto, optou pelo abandono, deixando para trás não apenas uma terra estéril, mas os animais, que se tornaram prisioneiros de uma situação que não podem entender ou escapar.
O descaso foi descoberto quando a PMA avistou, ao longo do rio, os corpos dos animais que sucumbiram à falta de água e alimento. A equipe, que chegou ao local para uma vistoria, encontrou um quadro de negligência chocante: pastagens secas, nenhuma fonte de água para os bovinos, e um maquinário que, ironicamente, parecia perfeitamente funcional, mas abandonado como se fosse parte de uma cena esquecida no tempo.
Proprietário rural é preso por abandonar mais de mil bovinos em uma fazenda no Pantanal, onde animais enfrentam a seca sem água ou alimento
Água em garrafas térmicas e lama: o resgate improvável - Durante a vistoria, os policiais ambientais se depararam com uma cena improvável. Sem nenhuma estrutura disponível para o socorro imediato dos animais, os policiais improvisaram, oferecendo água em garrafas térmicas aos bovinos mais debilitados. Tentativas de desatolar os animais que haviam ficado presos na lama pontuaram o dia. Apesar dos esforços, o quadro é grave. Muitos animais não conseguem mais se locomover e estão visivelmente desnutridos. A situação tornou-se tão alarmante que a IAGRO (Agência Estadual de Defesa Sanitária Animal e Vegetal) e o Ministério Público Estadual tiveram que intervir para ajudar na operação de socorro.
Quem vai salvar os bovinos? Agora, com o dono preso e uma fazenda à deriva, o destino dos mais de mil bovinos que ainda sobrevivem depende da Justiça. São poucos os caminhos possíveis: o proprietário pode ser forçado a agir, financiando o socorro dos animais, ou então os órgãos judiciais podem determinar o confisco dos bens e a venda dos animais, talvez em um leilão, para resolver a crise o mais rápido possível. De qualquer forma, o tempo não está a favor dos bovinos, e a cada dia de atraso, mais deles perecem.
A conta milionária da negligência - A negligência, por si só, já seria um crime. Mas o descaso em questão também vem com um preço alto. A multa prevista para o dono da fazenda é de R$ 3.000,00 por animal, aplicada diariamente enquanto a situação não for resolvida. Com mais de mil animais em condições de maus-tratos, a cifra diária pode ultrapassar dois milhões de reais. Isso sem contar a pena de detenção, que pode variar de três meses a um ano, dependendo do entendimento do caso.
Não é a primeira vez que o Pantanal vê histórias de negligência como essa, mas o contexto atual de seca torna o cenário ainda mais dramático. O Pantanal, que sempre foi um ecossistema rico em biodiversidade e cultura, vê sua paisagem transformada pela crise climática e pelo abandono.
Quando o crime é contra o Pantanal - O caso desta fazenda é mais do que um episódio de abandono animal. Ele é um reflexo de uma série de questões mais amplas que envolvem o Pantanal: a seca, as políticas de manejo de terras, e, claro, a falta de fiscalização em algumas áreas rurais. Para além das multas milionárias e das prisões, o episódio evidencia a fragilidade de um sistema que nem sempre consegue proteger seus recursos naturais ou os animais que dependem deles.
Enquanto a Polícia Militar Ambiental se limita às medidas administrativas e encaminha o caso para que a Polícia Civil dê continuidade às providências criminais, o destino dos animais e da própria fazenda permanece incerto. E enquanto isso, os bovinos que restam continuam à espera, no meio da lama e da seca, de um socorro que pode demorar mais do que eles podem suportar.
