A dúvida é uma condição caracterizada pela ausência de certeza, convicção ou confiança em relação a algo. Pode ser vista de forma negativa, como um impedimento à ação, mas também de forma positiva, como um caminho para o conhecimento e a sabedoria, pois desperta a curiosidade, que é o primeiro passo para a construção do saber.
Em filosofia, a dúvida é vista como o princípio da sabedoria, na medida em que estimula a investigação e o questionamento, ajudando a purificar e fundamentar o conhecimento.
Do ponto de vista filosófico, suscitar dúvida desperta o pensamento crítico em relação a verdades estabelecidas e crenças arraigadas, e torna-se um passo fundamental na busca pelo conhecimento genuíno. Longe de ser um mero estado de incerteza, a dúvida na filosofia é um instrumento metodológico e uma atitude essencial para o senso crítico.
Nesse campo, a abordagem mais conhecida é a de René Descartes (dúvida cartesiana, metódica ou hiperbólica). Para ele, suscitar dúvida significa tratar provisoriamente como falsas todas as coisas que apresentem o menor motivo de incerteza, com o objetivo de encontrar um princípio seguro, claro e inquestionável que possa servir de fundamento para todo o conhecimento ("Cogito, ergo sum", ou "Penso, logo existo").
Para muitos filósofos, a dúvida é um elemento essencial e contínuo de construção do pensamento filosófico. Envolve o estranhamento e o questionamento diante da realidade, desafiando as respostas prontas e as imposições sociais para estimular a curiosidade e a investigação racional.
No ceticismo, suscitar dúvida é a base da postura filosófica. O cético suspende o juízo sobre a possibilidade de alcançar a verdade absoluta, considerando a dúvida um estado de espírito que leva à tranquilidade (ataraxia), pois liberta o ser da busca infrutífera por certezas inatingíveis.
O ato de duvidar não exclui o conhecimento; pelo contrário, ajuda a purificá-lo. Questionar permite refinar ideias, transformar incertezas em compreensão e desenvolver o raciocínio e o pensamento crítico.
Em suma, suscitar dúvida na filosofia é um processo ativo e deliberado de questionamento que serve para iluminar o caminho da busca pela verdade, desafiando o senso comum e as opiniões superficiais para construir um saber mais profundo e bem fundamentado.
De maneira específica, na corrente cartesiana, a dúvida está a serviço de um projeto filosófico, ou seja, fundamentar uma nova ciência. Compreende-se, então que, se não há dúvida não há filosofia.
A dúvida é uma atitude que contribui para o surgimento do pensamento filosófico moderno. Neste comportamento, a verdade é atingida por meio da supressão provisória de todo conhecimento, que passa a ser considerado como mera opinião. A dúvida metódica aguça o espírito crítico próprio da filosofia.
É evidente que, do ponto de vista filosófico, não se pode falar de dúvida sem citar Sócrates, que ficou conhecido por questionar tudo. Sócrates utilizava um método de questionamento constante para expor a ignorância das pessoas e levá-las a refletir sobre seus próprios valores e ideias. Sua prática, conhecida como método socrático ou maiêutica, o tornou famoso em Atenas e acabou por levá-lo à condenação à morte, acusado de corromper a juventude e desrespeitar os deuses. Essa atitude irritava profundamente a todos, por suas perguntas constantes e desafiadoras.
Sócrates desafiava conceitos preestabelecidos como a justiça, a virtude e o bem. Ele acreditava que o diálogo e o questionamento eram essenciais para o autoconhecimento e a descoberta da verdade.
Ele comparava seu método ao trabalho de uma parteira, que ajuda a trazer à luz ideias que já existem dentro das pessoas; ou seja, tudo já estava dentro de cada um, mas era preciso saber buscar.
Embora Sócrates não tenha deixado obras escritas, seu legado foi preservado através dos diálogos de seus discípulos, especialmente Platão. Sua postura questionadora e, por vezes subversiva, o tornou impopular entre as autoridades atenienses, culminando em seu julgamento e condenação.
A presunção da dúvida é um princípio fundamental no direito, onde o acusado é considerado inocente até que a culpa seja comprovada de forma irrefutável. Em um sentido mais amplo, significa confiar em alguém apesar da falta de provas, como em uma interação social ou profissional.
Sem dúvida alguma, da dúvida nasce a evolução. E a ciência nasce das grandes perguntas.
Heitor Rodrigues Freire – Corretor de imóveis e advogado.
