TCE
Viviane Feitosa

MARKETING & COMUNICAÇÃO

Morango do amor e a necessidade de viralizar

24 julho 2025 - 16h23Por Viviane Feitosa

Tem mais um excesso tomando conta das redes sociais e dizem que também nas confeitarias ( nunca vi, só ouço falar) : o morango do amor. É a reinvenção de um doce que, na verdade, nunca teve tanto motivo assim para ser reinventado.
Pelas fotos e vídeos de receitas, o que dá pra afirmar é que não precisa ser um ás na cozinha para seguir o passo a passo que envolve cobrir a fruta com uma camada de brigadeiro branco e caramelizá-la com açúcar e corante.

Logo, também não precisa provar a iguaria pra dizer que se trata de um doce enjoativo, assim como a nostálgica maçã do amor. Altamente calórico. Sem qualquer surpresa de sabores. Ele não entrega camadas de sabor. Ele entrega açúcar sobre açúcar, com açúcar em volta.

Agora à parte essa crucificação de uma sobremesa viral, vale pensar o quanto isso diz sobre o que a gente chama de paladar coletivo e, com isso, sobre a cultura alimentar de um povo.

Esse movimento de curiosidade em provar o morango do amor virou um símbolo desse paladar infantilizado que parece ter ganhado seguidores fiéis entre adultos. Trata-se de um público que não busca sabor, mas dopamina. Não busca prazer refinado, mas uma explosão imediata de doçura e estímulo visual, tudo muito instagramável, claro.

Jamie Oliver, o chef britânico famoso por sua militância pela comida de verdade, esteve no Brasil há alguns anos e deixou um comentário que muitos brasileiros se ofenderam em ouvir: o brigadeiro é “a bunch of crap”. Uma pilha de porcarias. Leite condensado, margarina, chocolate industrializado. Ele não está errado. Mas também não está completamente certo.

O brigadeiro, ao contrário do morango nesta versão açucarada e Instagramável, ainda carrega consigo uma memória. Tem o brigadeiro enrolado em família na infância, tem a panela raspada com a ponta do dedo, tem o brigadeiro roubado no aniversário. E, embora também seja um amontoado de açúcar, está preso à nossa afetividade. E talvez por isso, ainda se sustente no paladar adulto com uma certa licença poética. Uma permissão emocional para continuar absoluto.

Mas esse novo doce, uma criação que mistura morango com leite ninho, com leite condensado, açúcar e corante, não tem nem afeto, nem história. É uma tentativa de viralizar. De performar uma sobremesa. Não é comida. É conteúdo. A grande questão que fica é: por que um paladar tão infantilizado continua sendo celebrado e viralizado por adultos que, teoricamente, já deveriam estar atrás de experiências gastronômicas mais complexas? O que nos atrasa tanto nesse amadurecimento do gosto? E o que isso revela sobre o Brasil que a gente está construindo à mesa?

A França tem seus macarons. O Japão, seus doces milenares à base de arroz. A Turquia, seus baklavas com pistache e água de rosas. A Itália nos deu o tiramisù. Nós ainda recheamos frutas com leite condensado e colocamos açúcar por cima. O problema não é o açúcar nem a infância, mas a superficialidade e a recusa em amadurecer o paladar e, junto com ele, o olhar, o pensamento, o senso crítico e a curiosidade por outros sabores e saberes. Esse morango açucarado, plastificado e posado para fotos não é só um doce: é um sintoma. E, como todo sintoma, precisa ser escutado, olhado.

E, talvez, tratado.

Deixe seu Comentário