A convite da escola Harmonia, o diretor do colégio carioca Porto Real esteve em Campo Grande no dia 2 de setembro para falar sobre seu mais recente objetivo: “hoje o grande tema que eu quero ensinar e mostrar é sobre a capacidade de amar. Isso vem da escola e dos pais. É um trabalho lento, de convencimento” - detalhou
O português João Eduardo Bastos Malheiro acumula mais de 46 mil seguidores no seu perfil @jebmalheiro no Instagram. Mas não é nas redes que está seu maior legado. Há mais de 10 anos, está à frente da direção do Porto Real, colégio single sex ( em que separam-se meninas e meninos) localizado na Barra da Tijuca, no Rio de Janeiro. João Eduardo é doutor em Educação pela UFRJ e diretor do Colégio Porto Real (RJ), professor da plataforma Brasil Paralelo e autor do curso Percurso 3.0, em que orienta pais que se veem perdidos quanto à Educação dos filhos. “Os pais estão muito inseguros, sem referência do certo e errado” – entrega.
Na sexta-feira, 3, depois de uma maratona de palestras para professores e pais de alunos da escola Harmonia, ele me recebeu para uma conversa sobre parentalidade, ensino e vida. Confira:
VF - João, como os pais podem exercer sua autoridade sem culpa?
JEB - Os pais estão muito inseguros, sem referências do certo e errado. E sofrem muito mesmo. Será que eu dou celular? Dou tela, não dou tela? Eu consegui orientar pais nesse sentido, com o meu curso Percurso, à venda no Hotmart. São 10 encontros e que tem sido bem avaliado lá na plataforma.
VF- Você acredita que essa confusão então veio de uma geração anterior a essa dos pais de hoje?
JEB – Sim, o que acontece é que quando você é educado nos anos 80, e não há certo ou errado, não há uma clareza para onde se deve ir. Eu não tenho uma certeza para onde vou. Por exemplo, nos meus 10 anos, eram os anos 70. Eu brincava na rua com meus amigos lá em Portugal, e todos sabíamos quando uma pessoa não ia à missa. Era um escândalo. A estrada estava clara.
VF - Como posso frustrar meu filho de 3 anos?
JEB - Frustração é quando a criança não consegue satisfazer os desejos naquele momento. É normal a criança sentir muitos desejos? Sim. É normal nós satisfazermos todos os desejos dessa criança? Não. Toda emoção é irracional. Eu tenho que educar a criança a dizer não aos seus desejos. E se você ensina desde pequeno, ela aceita, ela entende que aquilo é o melhor para ele naquele momento. Quando a mãe educa só com emoção, sem racionalidade, a mãe vai perder sempre.
VF - A partir de qual idade a criança pode ajudar nas tarefas em casa?
JEB - Depende muito do temperamento. Com 1 ano, já pode comer sozinho, com 5 já pode tomar banho sozinho. A partir dos 2 anos, já pode guardar os brinquedos. Sempre interessante descobrir o temperamento do seu filho ( Os 4 Temperamentos Na Educação dos Filhos, Ítalo Marsilli)
VF - O que a familiaridade com telas logo na primeira infância pode acarretar?
JEB - Os pais que permitem esse encontro logo cedo não têm menor noção dos riscos. É uma ignorância supina. O pai vai liberando tela hoje e acha que está tudo normal, mas daqui a cinco anos vai ver que ela terá problemas imensos: atenção em sala de aula, pornografia e uma imensa frivolidade, uma ânsia por novidades e fofocas. Uma vontade de ser igual a todo mundo. Ela tende a não ter uma personalidade própria. Ao contrário de uma criança que não tem esse contato, que tende a ser ele mesmo, que não precisa ser “puxado” por ninguém. Vocês ( dos anos 80), por exemplo, sentem uma pressão enorme das amigas, o que leva a serem iguais a todo mundo. Isso descaracteriza, vai te despersonalizando e você não usa seus talentos, sua riqueza pessoal. Fica uma coisa totalmente massificada, se empobrece. E com o tempo você se sente vazio, porque você não está no caminho correto, o teu caminho, o teu singular caminho.
VF - Qual o seu grande sonho, como educador?
JEB - Eu falei isso na palestra para pais A arte de educar e ser educado. Meu grande sonho é formar pessoas humanas. Que encontrem o seu caminho, a sua felicidade, se sentem realizados ao realizar o que têm de realizar. Eu me encontrei com 14 anos! Olha que sorte imensa! Na minha cabeça, eu já tinha tudo definido o que eu tinha que fazer. Olha como isso foi me potencializando. E eu quero fazer ainda muito mais. Isso gera um bom desenvolvimento do seu ser.
VF - De que forma esse sonho influenciou na criação do colégio Porto Real?
JEB - Em tudo. O Porto Real é conhecido por ser preocupado com a formação dos pais e com a formação das virtudes das crianças. Inclusive, sugiro a leitura do livro O Livro das Virtudes Para as Crianças, de William Bennett. O grande marco do colégio são nossas crianças andando pela cidade. São educadas, serenas, tranquilas. Ninguém consegue esse resultado se não houver um trabalho intencional, a educação é algo muito construído.
VF - O Colégio Porto Real é single sex. Qual o benefício dessa abordagem de educação?
JEB - Sim, o Porto Real é single sex, mas os prédios masculino e feminino são na mesma rua, próximos um do outro. Sobre os benefícios dessa abordagem, posso falar vários. Antes, eu era um estudioso do assunto, procurei muita literatura, estive em escolas na Espanha, Portugal, Argentina e Chile. Na Argentina, estive na escola Los Molinos, uma escola gigante, com 2 mil alunos. Estive lá no dia anual das Olimpíadas da escola e pedi autorização para entrevistar quem eu quisesse. Falei com 30 alunos. Como eram maduros! No Brasil, do ponto de vista mental, a idade das crianças é em media 3 anos a menos do que a idade cronológica. E a idade psicológica é de cinco anos a menos que a idade cronológica. Isso gera uma falta de riqueza de linguagem, de pensamento. São homens e mulheres que vão para universidades e depois para o casamento ainda muito imaturos.
VF - O single sex então é uma abordagem que beneficia os dois sexos?
JEB - Sim, mas dizemos que os grandes vencedores acabam sendo os meninos. Pois no ensino misto, aos 14 anos, a probabilidade de um menino ter um professor homem é muito pequena. No Porto Real, isso acontece e gera essa identificação. Ele vê alguém em quem pode se projetar. Quando é misturado é tudo mais feminilizado. Os meninos ganham muito quando estão entre os iguais. Quando estão com 6 a 10 anos, o que mais querem é estar entre os amigos, mesmo que estão sempre brigando. Eles precisam brigar muito para se amar.
VF – E quanto às meninas?
JEB - As meninas também crescem muito, quando você as separa dos meninos. Elas deixam de se comparar com eles. E começam a gostar de matérias como matemática, tidas como a preferida dos meninos. E assim começamos a ter meninas interessadas em química e matemática. E os meninos ganham interesse em matérias como Redação, Artes, tidas como tipicamente femininas.
VF – Hoje há quantos colégios single sex no Brasil?
JEB - Há alguns colégios single sex, como o São Bento e Catamaran, no Rio; Santa Maria e Bosque e Mananciais , em Curitiba. E ainda no Rio, vai ser inaugurado em 2022 um colégio irmão do Porto Real, o Montealto.
VF – Você disse ontem na palestra que veio para revolucionar Campo Grande. O que significa isso?
JEB - Quem assiste às minhas palestras e às minhas lives percebe que sou entusiasmado! Antes, o meu grande afã era falar sobre as Virtudes do ser humano. Mas eu vejo que esse assunto está bem disseminado. Estou muito feliz com o resultado. Hoje , o grande tema que eu quero ensinar e mostrar é sobre a capacidade de amar. O meu grande objetivo é que as pessoas aprendam a amar. Devemos mudar a afetividade. Gostar de se doar. Fomos criados para amar. Isso vem da escola e dos pais. É um trabalho lento, de convencimento.
CONHEÇA MAIS SOBRE JOÃO BASTOS MALHEIRO: instagram.com/jebmalheiro