
Pai é quem cria. Porém, quando a pessoa cria, cativa o filho e quer abandonar do dia para a noite, com uma decisão judicial, continua pai?

Por unanimidade, os desembargadores da 4ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça de Mato Grosso do Sul negaram provimento a recurso e mantiveram a decisão de primeiro grau que julgou improcedentes pedidos de um homem em ação negatória de paternidade. Ele tenta tirar as obrigações legais de pai de um menino que já o enxerga como pai e tem laços afetivos, apenas por ter descoberto não ser o pai biológico do garotinho.
No pedido, ele diz que comprovou não ser o pai biológico do menino, bem como foi induzido a erro pela mãe da criança ao assumir a paternidade. Defende a inexistência de qualquer vínculo afetivo com o garoto, uma vez que cessou qualquer relação com a criança ao saber que não possuía com ele vínculo biológico.
No estudo social, a criança demonstrou possuir vínculo afetivo com o apelante e relatou diversos momentos de diversões e convivência. A defesa do homem, no entanto, pediu a reforma total da sentença a fim de excluir a paternidade em relação ao menino, sob alegação de não ser o pai biológico e de não haver a existência de qualquer vínculo afetivo com a criança.
Consta no processo que a mãe do menino teve um relacionamento com o homem durante dois anos e, quando eles terminaram, ela contou que o filho não era dele. O homem não se importou com a notícia e levou a criança para morar junto com ele. Após um tempo, o apelante procurou a ex-companheira para entregar o filho, alegando que não poderia mais assumi-lo.
Para o relator do processo, desembargador Júlio Roberto Siqueira Cardoso, embora o exame genético tenha concluído que o apelante não é pai biológico do garoto e tampouco haja por parte do homem o reconhecimento de vínculo socioafetivo, há provas nos autos que evidenciam a existência de paternidade socioafetiva entre as partes.
O desembargador Júlio Roberto Siqueira Cardoso
No entender do desembargador, a filiação socioafetiva baseia-se na relação de afeto construída ao longo do tempo, na convivência familiar, no respeito recíproco, enfim, na posse do estado de filho, que é o tratamento dispensado pelas partes como se, de fato, pai e filho fossem.
Em seu voto, o relator citou trecho do parecer ministerial: "A filiação socioafetiva não está lastreada no nascimento (fato biológico), mas em ato de vontade, cimentada, cotidianamente, no tratamento e na publicidade, colocando em xeque, a um só tempo, a verdade biológica e as presunções jurídicas".
O magistrado destacou que o pai negligente, que abandona o filho que espontaneamente reconheceu, não pode disto beneficiar-se e, neste caso, o menino já tem cinco anos e sempre foi conhecido e reconhecido, no ambiente social e familiar, como filho do apelante, tendo inclusive com ele morado após a separação dos pais, somente retornado a morar com a mãe por causa da companheira atual do apelante.
"Apesar do exame de DNA concluir que o apelante não é pai biológico do menino, o reconhecimento do vínculo socioafetivo deve se sobrepor ao biológico pelo melhor interesse da menor e sua prioridade absoluta. Ante ao exposto, nego provimento ao recurso", concluiu.
