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18 DE JUNHO

Hoje se comemora o Dia mundial do Orgulho Autista

Comissão Permanente de Acessibilidade e Inclusão do TJ/MS traz essa história de vida de uma servidora e mãe que, como muitas, sente em sua morada o orgulho de ter seu filho artista

18 junho 2020 - 08h56

Em uma data tão importante, o Tribunal de Justiça, por meio de sua Comissão Permanente de Acessibilidade e Inclusão, traz essa história de vida de uma servidora e mãe que, como muitas, sente em sua morada o orgulho de ter seu filho artista. Esperamos que sua história possa compartilhar um pouco do que acontece em cada lar das famílias em todo o mundo.

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Meu filho é artista!

Meu nome é Juliane, sou casada com o Renato e tenho três filhos lindos: Alexandre, de 13 anos, Paulo, de 15, e André, de 19. Trabalho no DEPPI, na Corregedoria. Estou no Judiciário há 12 anos. Também sou professora, exerço a profissão que também amo muito, desde os 17 anos e hoje, com 36, confesso que vivi muitas coisas maravilhosas na vida que nunca soube, e ainda não sei explicar. Uma delas é o André. Sempre morei no interior e lá nasceram meus filhos. São quatro homens em uma casa. Não sei se sou rainha ou escrava, muitas vezes. Mas amo meu pedacinho de céu.

André nasceu com quase quatro quilos em um dia de carnaval. Noite chuvosa, parto cesariana cheio de complicações. Quase morremos, eu e ele. Faltou vida! Nesse dia descobri que tinha um filho artista. Ele não liga para a morte... queria viver!

Loiro, olhos claros, muito comprido, um anjo sem asas... detestava televisão, roía as unhas, não curtia brincadeiras com a mamãe: aquelas de olhar nos olhos, pular, rir, rolar... gritos, então... nem pensar! O barulho do liquidificador parecia ferir seus ouvidos. Chorava muito e detestava interagir com o mundo, mas tinha habilidades em montar e desmontar brinquedos como se estivesse em uma pequena linha de montagem particular. Não andava, mas engatinhava desde os 4 meses. Tinha medo do mundo. Trilhou seus primeiros passos no dia do aniversário de um ano. Simples, convicto e decidido, levantou e quase correu! Foi nesse dia que senti que meu filho era artista. Queria vencer!

Confesso que não entendia o porquê ele não gostava de correr, de me abraçar... Na escola, fugia da sala de aula, corria por todo o pátio. Ele era uma criança quieta demais para a idade dele, não interagia com outras crianças, tinha brincadeiras incomuns. Mas, naquela época, ainda mais do que hoje, não havia muita informação sobre o autismo e, na minha cabeça desinformada, as crianças com autismo ficavam apenas em um canto e tinham aquele balançar incomum. Pra mim, meu filho não era autista, não tinha doença alguma. Acordou um dia, aos quatro anos de idade, e leu... leu o mundo... leu o céu... as estrelas... as pessoas... lia seu sonho de se tornar um menino que não olha nos olhos, mas voa! Naquele dia eu descobri que ele lia muito mais que pilhas e pilhas e pilhas de livros de toda espécie. Meu filho era artista!

As brincadeiras exigiam mais interação e ele sempre alegre, adorava. Mas por que a diversão parece ser a bola que pula e não eu? Por que vê um bebê no carrinho e olha animado para a rodinha e não para o bebê? Por que corre para a televisão quando ouve um som que o interessa, mas tantas vezes não olha quando o chamamos? Por que ele não fala nada além do próprio nome? A hipótese de autismo surge agora com todas as letras e pergunto diretamente para o pediatra: a resposta é negativa. Ufa!

Muitos anos se passaram... muitas coisas aconteceram nesse meio tempo. A escola era um tormento para ele e para todos nós: “André não estuda, só quer saber de aranha”... “Mãe, ele não faz nada em sala de aula, só quer ler a coleção do Harry Potter durante as aulas”... “Mãezinha, tem que ir ao psicólogo... seu filho não interage”... “O que está acontecendo? Algum problema em casa, mãe?”. “Agora ele está obcecado por gibis, não faz nada...”. “É o pai, que o abandonou... precisa de neurologista, psiquiatra, curandeiro, pai de santo, igreja”. Eram tantas hipóteses... e em todas elas eu tinha culpa.

Até que em uma tentativa de mudança, trocamos André de escola. Um coordenador muito paciente, nos chamou para conversar. Marcou reunião. Estava desolada... tudo de novo? Não sei se vou aguentar... Com cuidado, ele nos perguntou se já tínhamos ouvido falar na Síndrome de Asperger ou em crianças Aspies. Nunca! Nem de nome. Entre idas e vindas a tantos médicos, ninguém nunca falou. Nunca cogitou. André tinha 10 dos 11 “sintomas” apresentados pelo profissional…

O meu luto começou no dia da reunião, antes mesmo da confirmação do diagnóstico pelo neuropediatra, que só veio 3 anos depois desse acontecimento. Neste dia, sozinha dentro do quarto, chorei e chorei… E entre tantas preocupações e tristezas, confesso que o maior de todos os temores foi egoísta: e agora, o que eu vou fazer com todo esse meu amor, ele nunca será correspondido? Meu filho entrou todo contente no quarto, me deu um abraço apertado, em silêncio, e disse: “Mãezinha... vai ficar tudo bem!”. E me entregou uma flor de origami, sua obsessão da vez. Eu sorri. Meu filho é artista! E naquele dia eu daria qualquer coisa para poder prever o futuro…

Senti como se meus sonhos tivessem desmoronado. Os médicos só me diziam que o cérebro da criança se desenvolve mais até os três anos e o André já estava com quase 12. Na minha cabeça, não tinha mais jeito. Pensava que seria como trocar o pneu com o carro andando. Estava sofrendo muito, mas tive que correr atrás dos melhores profissionais que pudessem ajudar meu filho.... e foram incontáveis! Alguns não ajudaram em nada. Muitos ainda não ajudam.

Mudamos para Campo Grande, em busca do apoio médico que todos precisávamos. Quando a suspeita foi confirmada, a sensação foi de alívio. Era um mundo novo, mas que eu já me sentia dentro dele por me identificar com tudo o que era dito. Ainda falta muita informação sobre o autismo. Não adianta tentar fingir que não existe. Pais, professores, profissionais da área médica, todo mundo precisa saber tudo o que puder sobre o autismo. Muitos profissionais não conseguem fazer o diagnóstico e nem mesmo orientar a investigação sobre o caso precocemente, o que é uma perda irreparável para muitas famílias. Todos sofrem muito. Tivemos que insistir até encontrar um profissional que identificasse os sinais e desse o diagnóstico. A família só pode apoiar dando seu amor incondicional, aumentando sua autoestima e preparando o pequeno passarinho para a inclusão dentro da sociedade, que não está preparada para lidar com tais questões. Nesse tempo eu aprendi a respeitar os limites do meu menino: ele é artista!

Hoje, meu filho está com 19 anos, é um homem muito lindo! Fez Enem sem inscrever-se como aluno especial; ele diz que não é. Cursa Direito em faculdade federal. Entrou por seus méritos, sem empurrão, coleguismo ou favorecimento. Ensinamos que ele tem seus direitos enquanto autista, mas que só deve utilizar quando necessário. Todos têm suas batalhas. Haverá tempo de vivê-las! Deixá-lo ir sozinho para a faculdade foi um tormento que, confesso, ainda me assombra, mas vê-lo sorrir, fazer amigos e interagir com o mundo, me faz realizada e completa. Ver que ele usa o aplicativo do banco com facilidade, administra seu dinheiro e tem seus sonhos, mesmo que desconexos, às vezes, me orgulha.

Ahhh... que bom, Juliane! Seu filho venceu e acabaram os seus medos, anseios e desafios. Não se engane, caro leitor, tem tanta coisa nas entrelinhas que não te contei! Mas uma coisa eu posso te garantir: ele me fez uma pessoa melhor, me ensina e me inspira diariamente, mesmo que pareça não se importar com meus sentimentos e até temores em relação a ele. Mas André sorri, anda de ônibus, fala com amigos no celular. É quase um gênio, como dizem seus laudos... André é apenas o André, em seu mundo particular, cheio de purpurina. E é assim que o amo infinitamente.

Porque o André é artista!

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