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ARTIGO

RETROSPECTIVA 2015: sociedade e política num ano difícil

23 dezembro 2015 - 13h12

*Rodrigo Augusto Prando

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Traço estas poucas linhas, caro leitor, sem, contudo, deixar de trazer à memória o que escrevi no final do ano 2014 e ao de 2015. Findada as eleições de 2014, tive a sensação – lembrando do livro de Zuenir Ventura – que as eleições de 2014 não terminaram ao fim e ao cabo do pleito. Ficaram feridas abertas, cisões e sentimentos de engodo. Já, 2015, se apresenta nada alvissareiro: a Presidente eleita Dilma Rousseff apresenta-se muito diferente daquela construção de imagem oferta pelo marketing político de João Santana.

Nos primeiros movimentos no bojo do poder, Dilma quis expurgar os ministros mais próximos a Lula e, com isso, ter “dilmistas” em posições estratégicas. O maior partido aliado, o PMDB, bem como seu Presidente, Michel Temer, foram menosprezados. Serviram para formar a coalização para as eleições, mas não serviam para ajudar no governo, nem sequer um naco de poder e influência foi dado a Temer. O PT, partido de Dilma, tem uma vocação para a hegemonia e, com isso, quer aumentar sua presença nos ministérios e nos cargos do governo Federal. Assim, em um tabuleiro de xadrez político, Dilma conseguiu irritar a todos: Lula, PMDB, Michel Temer e o PT. Conforme os fatos foram se apresentando como concretos, percebeu-se que o discurso político de campanha era fantasioso e a realidade em voga bem mais complexa do que o embate entre “nós” versus “eles”. Um ministério sem lustro e, também, sem lastro, foi montado. A articulação política ficou, preponderantemente, nas mãos de Aloísio Mercadante (um desafeto de Lula). O primeiro sinal – muitos outros se seguiram – de incapacidade de articulação política foi a eleição para a presidência da Câmara dos Deputados. O vencedor, Eduardo Cunha, tornou-se figura central no seio da República e, infelizmente, não pelos seus valores republicanos e apreço pela democracia.

O cenário de crise se caracteriza pela dificuldade de Dilma vocalizar à nação que errou ao falar uma coisa em campanha e fazer outra quando já eleita. Evidenciou-se que a Presidente era governante de “direito”, mas não de “fato”, já que, em dado momento, teve a economia gerida por Joaquim Levy e a política por quem tinha sido desprezado: Michel Temer. Não tinha como dar certo e não deu. Cunha não cansou de afrontar o governo e lhe impor derrotas. Manifestações gigantescas pulularam pelo país contra Dilma e o governo. O clima de “estelionato eleitoral” tomou corpo. Denúncias assentada na Operação Lava Jato colocou as principais figuras da República na berlinda: Renan Calheiros, Eduardo Cunha, ministros de Estado, Senadores, enfim, uma ampla gama de personagens não só poderosos, mas, ainda, ardilosos.

A tese do impeachment tomou corpo quando aceita por Eduardo Cunha. Embate entre a Câmara dos Deputados, o Supremo Tribunal Federal e o Senado indica como cada um destes poderes entende o processo e o rito do impeachment. Derrota na Câmara, alerta para o Governo; vitória no STF, alívio para o Governo e angústia para a oposição. Não bastasse isso, a chapa Dilma-Temer também é investigada pelo Tribunal Superior Eleitoral e, se comprovadas as denúncias elencadas pelo PSDB, pode-se ter como resultado a cassação da chapa e convocação de novas eleições. Em determinado momento, com tantas cenas do cotidiano político, asseverei que o Brasil estava “em compasso de espera” e que a “República à deriva”. A conjugação de crise econômica, política, ética e de liderança paralisou o país em 2015.

Chegamos em dezembro sem termos começado nada em janeiro. As forças que podem desencadear o impeachment: a sociedade nas ruas, a classe política e a Justiça não só não estão sincronizadas, como não falam a mesma língua. E a sociedade brasileira nisso tudo? Aí reside o real problema: aumento da inflação, rebaixamento pelas agências de risco, desemprego, recessão, pessimismo, paralisia geral. Carta de Michel Temer para Dilma já se coloca no espaço reservado aos documentos que serão lidos e estudados no futuro pelos historiados e cientistas sociais. O resistente ministro Levy, deixa o governo e assume Nelson Barbosa, investigado pelas chamadas “pedaladas fiscais” e um dos país da “nova matriz econômica”.

Enfim, caros leitores, se há algo de positivo em 2015 é que algumas instituições, como a Polícia Federal, estão funcionando, contudo, suspeitas recaem na mais alta corte do país: o Supremo – que se coloca numa nova interpretação do processo de impeachment, distinto daquilo que está escrito na Constituição. Gostaria, em verdade, de afirmar que 2016 será melhor, mas não tenho condições disso. Social e politicamente os problemas reclamam por uma solução, dentro dos limites constitucionais, com os atores políticos assumindo seus papéis, com senso republicano e democrático. O problema, ainda, é que esses atores são protagonistas de escândalos, mas coadjuvantes ao dar um rumo ao nosso país.

*Rodrigo Augusto Prando é bacharelado e licenciado em Ciências Sociais, Mestre e Doutor em Sociologia. Professor e Pesquisador da Universidade Presbiteriana Mackenzie, do Centro de Ciências Sociais e Aplicadas.

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