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OPINIÃO

Quem perde é a sociedade!

*Fernando Chemin Cury

26 setembro 2019 - 17h43Fernando Chemin Cury
Fernando Chemin Cury
Fernando Chemin Cury - Foto: Divulgação

Essa semana a sociedade brasileira assistiu a uma demonstração inequívoca da triste confusão entre o pessoal e o coletivo, a prevalência do interesse particular em detrimento dos anseios do povo. O Congresso Nacional, em um episódio movido por sentimento de vingança pessoal de alguns parlamentares, derrubou diversos vetos lançados pelo Excelentíssimo Presidente da República quanto à Lei n.º 13.869/2019, denominada Lei de Abuso de Autoridade.

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O público-alvo dessa malfadada Lei, infelizmente, são integrantes das forças policiais, membros do Ministério Público e do Poder Judiciário que, numa demonstração de maturidade ética, democrática e social, vêm agindo com firmeza e destemor no desmantelamento da cultura criminosa que permeia os diversos níveis da sociedade brasileira, sobretudo no que se refere ao combate a crimes de corrupção, lavagem de dinheiro e organização criminosa, muitas vezes envolvendo pessoas com grande poder político e econômico.

Condutas como “decretar prisão fora das hipóteses legais”, “não relaxar prisão ilegal”, não substituir prisão preventiva por outra medida cautelar, quando couber”, “não conceder liberdade provisória, quando couber”, “não deferir HC cabível”, dentre outras previsões absolutamente genéricas e abstratas, passaram a ser penalizadas como crime, com pena de detenção de 01 a 04 anos e perda do cargo no caso de reincidência.

Muito embora convencido da absoluta inconstitucionalidade dessa norma por diversos motivos (a exemplo da violação aos princípios da estrita legalidade penal e da proporcionalidade), certo é que caberá ao Supremo Tribunal Federal o pronunciamento sobre o assunto. A reflexão aqui posta se dirige a outro rumo.

O caráter fúnebre desse comportamento que assistimos essa semana advém da demonstração inequívoca de que o Congresso agiu motivado por sentimento próprio de alguns de seus integrantes, buscando intimidar, sob o pretexto de coibir abusos, os agentes políticos que estão se empenhando – mesmo que com algum erro – para salvar o Brasil do triste posto de 96º (nonagésimo sexto) país no ranking global do Índice de Percepção da Corrupção, perdendo para países com taxa de vulnerabilidade social muito maior do que a nossa.

E o que é pior: exatamente em um momento que o país busca forças para sair da grave crise financeira e social que vive, com alto índice de desemprego e baixíssima atratividade para o setor produtivo e o investidor externo.

Assim, numa quadra importante da história da República, onde o país necessita, com urgência, de reformas indispensáveis como a previdenciária, a política e a tributária para dar sinais de reação aos ataques sofridos nos últimos anos pela má gestão de seus dirigentes, o Congresso parou para derrubar vetos e reviver dispositivos legais que buscam tão somente amedrontar e intimidar os agentes estatais que trabalham com o combate à criminalidade em geral.

Apesar da tristeza e perplexidade vividas essa semana, como integrante do Poder Judiciário, não tenho dúvida que a magistratura brasileira não sucumbirá, jamais, a qualquer ataque que possa retirar de seus membros a necessária imparcialidade e a crucial independência para a aplicação firme e responsável da Constituição e das Leis.

Certamente os atingidos não são apenas juízes, promotores de justiça, delegados e policiais. Ao fim e ao cabo, infelizmente, quem perde é a sociedade!!!

*Fernando Chemin Cury Juiz de Direito auxiliar da Presidência do TJMS. Assessor da Presidência da AMB – Associação dos Magistrados Brasileiros. Mestre em Direito Penal e Garantismo pela Universidade de Girona – Espanha. Pós-Graduado em Direito do Estado pela PUC/SP/ESA e em Direito Processual Civil pela UNAES.

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