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CAMPANHA SETEMBRO AMARELO

Em MS acontecem 13 suicídios a cada 100 mil habitantes, índice muito além da média nacional

A psicóloga Paola Nogueira esclarece que em Mato Grosso do Sul a taxa de suicídio é preocupante, por isso defende uma discussão e maior participação da sociedade sobre o tema

21 setembro 2018 - 22h55Alberto Gonçalves
Paola Nogueira Lopes é Psicóloga e Gestora do Núcleo de Psicologia Educacional da Secretaria de Educação de MS - NUPED
Paola Nogueira Lopes é Psicóloga e Gestora do Núcleo de Psicologia Educacional da Secretaria de Educação de MS - NUPED - A Crítica
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Em setembro, a campanha Setembro Amarelo busca a conscientização e tratamento sobre um tema que ainda é tabu, a depressão e, como consequência mais acentuada dessa doença, o suicídio.

Por ser de difícil identificação, os sinais podem ser facilmente confundidos com tristeza ou mau humor. A oferta e a busca por ajuda ainda são ínfimas e quando há vêm acompanhadas por julgamentos e falta de informação.

Hoje, o movimento Setembro Amarelo é um aceno de empatia na multidão e teve início no Brasil pelo CVV (Centro de Valorização da Vida), CFM (Conselho Federal de Medicina) e ABP (Associação Brasileira de Psiquiatria), em 2015, em Brasília.

Mundialmente, o IASP – Associação Internacional para Prevenção do Suicídio estimula a divulgação da causa, vinculada ao dia 10 do mesmo mês, em que se lembra o Dia Mundial de Prevenção do Suicídio.

Falar sobre o tema ainda é a forma mais eficaz de se evitar novos casos, dizem os especialistas

A conscientização dos profissionais da saúde em tratarem o suicídio como problema de saúde pública é outro objetivo do Setembro Amarelo.

Estimativas dizem que no mundo acontece um suicídio a cada 20 segundos, sendo a segunda principal causa de morte entre jovens com idades entre 15 e 29 anos.

A psicóloga e gestora do Núcleo de Psicologia Educacional da Secretaria de Educação de MS – NUPED, Paola Nogueira Lopes, comentou o tema na quarta-feira (12), durante o programa Giro Estadual de Notícias, transmitido ao vivo para as emissoras do Grupo Feitosa e também pelo site acritica.net. No mesmo dia, Paola participaria de audiência pública na Assembleia Legislativa de MS sobre o tema.

A psicóloga esclarece que em Mato Grosso do Sul a taxa de suicídio é preocupante, por isso defende uma discussão e maior participação da sociedade sobre o tema, para evitar que o número de casos aumente.

Segundo ela, a autópsia psicológica, que raramente é realizada, seria uma das ferramentas para dar consistência ao diagnóstico e saber o que levou aquele indivíduo a cometer o suicídio.

Acompanhe a entrevista:

A Crítica – A campanha Setembro Amarelo acontece desde 2015. De lá para cá, há alguma estatística que mostre que ela tem surtido efeito?

Paola Nogueira Lopes – A campanha sempre é importante porque a gente fala sobre o assunto. O mais importante é não ficar apenas no Setembro. Temos que discutir a questão da temática do suicídio e sua prevenção o ano todo. Ela (campanha) é só um marco para que possamos discutir e ver quais ações podem ser tomadas para tornar mais eficiente o combate e prevenção ao suicídio. Sabemos que em nosso Estado há uma epidemia. No Brasil temos 8.7 mortes para cada 100 mil habitantes. Em Mato Grosso do Sul, são 13.4 para cada 100 mil habitantes, ou seja, é um índice muito além.

A Crítica – Por que a escolha por setembro? E o período de maior incidência de casos?

Paola Nogueira Lopes – É um marco legal. Foi feito todo um estudo para a escolha, já que cada mês agora aborda uma problemática, assim como o Outubro Rosa, por exemplo. Então, o Ministério da Saúde achou interessante usar setembro como o mês para falarmos sobre a prevenção e valorização da vida.

A Crítica – Há certo tabu sobre o tema. A sociedade evita até mesmo divulgar os ocorridos, talvez com receio de que incentive outros casos. Isso procede?

Paola Nogueira Lopes – O grande problema é como é divulgado. É preciso falar sobre o assunto, porque ainda é mesmo tabu na nossa sociedade. As pessoas têm cometido suicídio por milhares de fatores, não é um fator único. O que a Organização Mundial de Saúde pede é que não se divulguem os meios como foi feito, porque pode incentivar a utilizar aqueles meios. Sabemos que o homem comete suicídio com formas mais letais. Já a mulher tenta mais vezes e não concretiza. Então, precisamos discutir, a imprensa precisa mostrar, mas o que é solicitado é não divulgar o meio que a pessoa utilizou para cometer o suicídio.

A Crítica – Como conversar com uma pessoa que está propícia a cometer um suicídio? Há alguma orientação?

Paola Nogueira Lopes – Tem pessoas que falam e outras que evitam falar. Aonde tenho de acender minha luz para uma pessoa que está com risco iminente? É justamente na mudança de comportamento. Verificar o que aconteceu com aquela pessoa, se houve uma mudança em seu comportamento, seja ela mais introspectiva ou mais eufórica e que fatos têm acompanhado aquela pessoa. Temos de estar atentos. Hoje, não estamos mais abertos ao diálogo e sim para uma escuta empática, onde se julga a pessoa dizendo que ela não está depressiva, mas que é só uma tristeza e vai passar. Repito: temos de estar atentos.

O indivíduo , quando chega a esse ponto, não tem condições de avaliar sua situação, por isso aqueles que estão ao redor são fundamentais. Evite deixar essa pessoa sozinha. Não apenas leve ao médico para uma medicação. É preciso ter um acompanhamento desse indivíduo.

A Crítica – Como a família, ou amigos, podem perceber que uma pessoa tem essa tendência ao suicídio?

Paola Nogueira Lopes – É uma questão de foro íntimo, porque tem pessoas que sempre foram quietas e assim continuam. Mas há algo que não está mais condizente com o comportamento dela. Tem gente que é eufórica e fica quieta. Nesse caso há uma mudança de comportamento muito brusca. Então, quem vai avaliar são os familiares. Preciso conhecer as pessoas com quem estou ao meu redor. Não tem uma receita, como de um bolo, para dizer quando é e o que é. Cada pessoa terá seu comportamento, sua mudança e temos de estar atentos a isso. A euforia em exagero também pode ser um dos problemas que levam ao suicídio. A mudança de comportamento pode ser para algo mais introspectivo ou também para uma euforia.

A Crítica – Na questão do tratamento, o ideal é a conversa ou há medicamentos que resolvem o problema?

Paola Nogueira Lopes – Como o problema é multifatorial, temos de trabalhar com uma equipe multidisciplinar. Tem de encaminhar ao médico para uma terapia e muitas vezes temos de encaminhar para uma reabilitação nas questões de vida diária. Então, geralmente o caminho é: vou procurar o médico, que fará avaliação e entrará com a medicação, que dependendo tem um tempo para fazer efeito e, começamos com uma terapia clínica.

A Crítica – A questão religiosa influencia para evitar que uma pessoa cometa suicídio?

Paola Nogueira Lopes – Tudo que for fazer bem para aquela pessoa, em qualquer religião, em que ela vai dialogar, de alguma forma vai contribuir no tratamento. Tem alguns que se apegam mais e outros menos, mas independente, tudo o que for estimular o diálogo, em que as pessoas irão perceber a pessoa, é importante para o ser humano.

A Crítica – Normalmente, quando se tem a notícia de alguém conhecido ou parente que cometeu o suicídio, a pergunta que se faz é: por que fez isso?

Paola Nogueira Lopes – Hoje se fala de autópsia psicológica. Isso não é feito. A cada 20 mil casos, em 95% não foram feitos esse procedimento. E o que vem a ser essa autópsia? É entender os motivos que levaram aquela pessoa a cometer o suicídio e geralmente fica sem resposta. Muitos, às vezes, comentem suicídio por punição, outros para chamar a atenção, são muitos fatores. Só que precisamos conhecer e por não conhecermos e ser um tabu, não é feita uma investigação porque aquilo aconteceu. Às vezes, a pessoa tinha uma questão psiquiátrica que não foi descoberta, ou só uma questão de foro íntimo que também não foi descoberta, então precisamos estar atento a essas questões.

A Crítica – Há como fazer essa autópsia psicológica?

Paola Nogueira Lopes – Existe como fazer, só que não é feito e não é estimulado a ser feito. Isso porque ali tem um sofrimento muito grande, a família não quer mexer, não quer entender, porque muitas vezes vamos entrar em questões que talvez nem a família esteja pronta para abordar o que realmente aconteceu. Por isso a dificuldade, tanto de notificar os casos e também de entender por que a pessoa cometeu o suicídio.

A Crítica – O mundo globalizado, com internet e redes sociais, fica mais preocupante ou mais fácil de se evitar casos de suicídio?

Paola Nogueira Lopes – Preocupa. Porque as pessoas ficam só no mundo virtual, não se conversa mais com as pessoas na vida real e a internet romantiza muito o suicídio. Exemplos como a Baleia Azul, cinema, filmes que romantizam a questão do suicídio. E como é romantizado, não fala daquilo de forma clara, objetiva, que há um perigo iminente. Se você tentasse contra sua vida, pode sim acontecer e conseguir aquele ganho. Então, a internet é uma ferramenta magnífica, mas é preciso entender como usar. Esse é o ponto: como estou usando a internet na minha vida? Tenho de estar preocupado com as fake news, com as informações que chegam e às vezes não são reais e hoje as pessoas não lêem. Sempre pergunto: qual é a fonte, de onde vem essa informação que você está me perguntando? Então, sempre tento ver qual é a fonte, porque a partir daí vou tomar os meus encaminhamentos.

A Crítica – Nesse caso, qual seria o papel da família desde o início da adolescência?

Paola Nogueira Lopes – Antigamente nós almoçávamos à mesa, sentávamos, olhavam-se nos olhos. Hoje se perdeu um pouco do diálogo. Então, o recado é: - família vamos ficar atentos ao diálogo, vamos olhar o seu filho. Ele está rebelde. Mas essa rebeldia permanece? Tenho sim de perceber e estar atenta ao meu filho. Só que hoje com mil funções, às vezes mais de um emprego, os pais não estão dando conta. Mas é preciso parar. Não é a quantidade, e sim a qualidade de tempo que passo com meu filho que influencia.

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