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JUSTIÇA MILITAR

Transferência de julgamento de oficiais para a Justiça Militar gera polêmica

11 outubro 2017 - 17h54
Rio de Janeiro - Militares seguem operando na favela da Rocinha para combater confrontos entre facções de traficantes de drogas (Fernando Frazão/Agência Brasil)
Rio de Janeiro - Militares seguem operando na favela da Rocinha para combater confrontos entre facções de traficantes de drogas (Fernando Frazão/Agência Brasil) - Fernando Frazão/Agência Brasil
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O Senado aprovou ontem (10) o Projeto de Lei da Câmara 44, de 2016, que transfere para a Justiça Militar o julgamento de crimes intencionais (dolosos) cometidos por oficiais das Forças Armadas contra civis em algumas situações. A matéria, que ainda precisa ser sancionada pelo presidente Michel Temer para ter validade, gerou reações positivas de militares e críticas de organizações da sociedade civil e do Ministério Público Federal.

Pelo texto, passariam a ser julgados na Justiça Militar casos em que os militares tenham cometido os crimes durante operações de Garantia da Lei e da Ordem (GLO), no cumprimento de atribuições estabelecidas pelo presidente ou pelo ministro da Defesa, em ações que envolvam a segurança de instituição militar ou em operação de paz.

O comandante do Exército, general Eduardo Villas Bôas, comemorou a votação do projeto em sua conta do microblog Twitter. “Agradeço a aprovação do PLC 44, que garantirá a segurança jurídica de meus comandados quando em operações de Garantia da Lei e da Ordem”. O comandante já vinha se manifestando pela aprovação do projeto.

Veto

O Conselho Nacional de Diretos Humanos (CNDH) enviou ofício hoje (11) ao presidente Michel Temer solicitando veto integral à proposta. Segundo o colegiado, o projeto “atenta contra o Estado Democrático de Direito” e “pode resultar em um estímulo a práticas de execuções extrajudiciais no âmbito da atuação dos militares”. Essa preocupação se dá no momento em que tropas estão sendo utilizadas para reforço de policiamento em diversas regiões na cidade do Rio de Janeiro.

O CNDH já havia se posicionado contrariamente ao texto em nota publicada em agosto. “Os tribunais militares são compostos, majoritariamente, por militares da ativa, subordinados às altas patentes. Assim, dada a sua composição e organização, a Justiça Militar não é isenta para processar os crimes graves praticados por militares contra civis”, criticou o colegiado.

Constitucionalidade

Caso haja a sanção pelo presidente Temer, a Procuradoria Federal dos Direitos do Cidadão (PFDC) deve enviar à procuradora-geral da República, Raquel Dodge, parecer solicitando o questionamento da constitucionalidade do texto junto ao Supremo Tribunal Federal (STF). “O entendimento histórico do Supremo é que a competência da Justiça Militar está restrita a crimes tipicamente militares, na caserna. O projeto estende para crimes ocorridos no exercício ostensivo e o Supremo entende que essa é uma atividade de segurança pública”, defende a titular da PFDC, Deborah Duprat.

Ainda de acordo com a procuradora, este entendimento está consolidado internacionalmente. “Há várias jurisprudências da Corte Interamericana de Direitos Humanos e do sistema europeu e internacional de direitos humanos sobre a excepcionalidade da Justiça Militar em tempos de paz. Ela é vista quase como justiça de exceção”, explica.

Segundo Everaldo Patriota, presidente da Comissão de Direitos Humanos da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), o projeto seria inconstitucional por afrontar uma garantia prevista no Artigo 5º da Carta Magna. “O artigo diz que 'é reconhecida a instituição do júri, com a organização que lhe der a lei, assegurada a competência para o julgamento dos crimes dolosos contra a vida'. Quem julga crime doloso até que se rasgue essa Constituição é o tribunal do júri. É inconstitucional, é um retrocesso e é uma sinalização terrível para o momento que vivemos de violência policial”, destaca.

Retrocesso

A Anistia Internacional divulgou nota afirmando que o projeto iguala a legislação às normas do regime militar e prejudica a realização de julgamentos imparciais. “A atuação crescente das Forças Armadas no policiamento com a garantia de que as violações cometidas pelos militares serão tratadas em 'foro privilegiado' pode estimular as práticas de execuções extrajudiciais já tão comuns nas favelas e periferias brasileiras”, defende Renata Neder, coordenadora de pesquisa e políticas da organização.

Segundo a entidade, o principal local com atuação das Forças Armadas em operações de Garantia de Lei e Ordem (GLO), a cidade do Rio de Janeiro, não teve redução de índices de violência com o reforço. Em contrapartida, afirma a organização, em 2007 uma operação com apoio do Exército no Morro do Alemão resultou em 19 mortes, “algumas com forte evidência de execuções extrajudiciais, de acordo com especialistas independentes”. Em dezembro de 2011, acrescenta a entidade, em uma nova ação a morte de um adolescente teria tido o envolvimento de oito militares.

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