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VARIEDADES

Adam Alter examina vícios tecnológicos e como não se tornar dependente

21 abril 2018 - 08h47
Comper

A presidência de Donald Trump inspira comentários frequentes de internautas, especialmente os que trabalham em mídia ou dependem de se manter atualizados online, sobre exaustão noticiosa. Não é possível largar o celular alguns minutos e as crises se multiplicam, reclamam, exaustos. Não é possível ou não é desejável?

Um livro lançado esta semana no Brasil e já publicado em 24 outros países examina nossa dependência digital e sugere algumas saídas. Em 'Irresistível, Por que você é viciado em tecnologia e como lidar com ela' (Companhia das Letras), Adam Alter, professor de marketing e psicologia da Stern Business School da Universidade de Nova York, explora um novo campo de estudo, o vício comportamental e examina o comportamento dependente ao longo da história.

Ao me receber em sua sala, Alter aparenta ser mais jovem do que seus 37 anos, sugere um geek que poderia passar horas grudado em alguma tela. Este australiano de Sidney está, há alguns anos, preocupado com a tecnologia e seu efeito evolucionário. Afinal, o iPhone só foi lançado há onze anos, o iPad há sete e não temos uma geração de adultos e profissionais para saber o significa crescer, como ele argumenta, com um apêndice do corpo na forma de um gadget.

A indústria cultural sempre dependeu de atrair nossa atenção. Mas, na era pré-digital, havia ponto final na leitura de um livro, de um jornal de papel. Telenovelas ocupavam uma hora do nosso tempo e voltavam no dia seguinte. Todo nosso consumo de mídia hoje é oferecido num loop contínuo. Os algoritmos do Facebook, Instagram, Google são destinados a manter o internauta grudado na plataforma. A Netflix oferece binge watching, com episódios recarregados automaticamente. Há uma clínica de reabilitação em Seatle, reStart, especializada em gamers que não conseguem parar de jogar.

Alter admite a tarefa inglória que é conversar com o público sobre os excessos da era digital. "Podemos recomendar que um alcoólatra fique longe de bares," lembra, "mas não podemos prescrever abstinência tecnológica a ninguém no século 21."

O livro abre com um segredo mal guardado do Vale do Silício. Seus grandes inventores e empresários mantêm os próprios filhos longe de gadgets. Matriculam as crianças em escolas caras que aplicam o método Waldorf, conhecido por banir tecnologia até os doze anos.

Steve Jobs admitiu que seus filhos não tinham acesso a iPads. Pergunto a Alter se vamos ver uma nova fronteira de desigualdade e ele concorda: à medida que crianças com menos acesso à educação privilegiada ficam mais vulneráveis aos excessos de uso de celulares e horas improdutivas online, elas estarão em desvantagem.

Alter cita um estudo que revela alguma forma de comportamento dependente em metade da população dos países desenvolvidos. Cada vez mais, a dependência não é de drogas e sim expressada em comportamento compulsivo. Ele usa o exemplo dos veteranos do Vietnã - cem mil voltaram da guerra tendo experimentado heroína pura. E 95% - um índice altíssimo, no caso de opioides - abandonaram a droga quando foram positivamente reinseridos na sociedade. "Nem toda dependência química é herdada ou fruto de uma personalidade propensa," afirma Alter, sobre o vício comportamental.

Uma recomendação feita por Alter se refere à arquitetura do comportamento. "Como um arquiteto projeta uma casa, nós podemos projetar a distribuição da tecnologia no nosso ambiente," sugere. "Podemos deixar os celulares mudos numa gaveta durante as refeições."

Enquanto médicos não começarem a perguntar numa consulta, além de "Você fuma?", "Quanto tempo você passa diante da tela?" Alter acha que o vício tecnológico, "um problema de saúde pública," deve ser encarado na trincheira doméstica. "Os pais é que têm o poder," diz. "A criança acompanha o olhar dos pais. Quer saber porque a atenção se afastou dela e não sai da tela do celular. E vai desejar a tela."

A tecnologia pode ser uma janela maravilhosa, diz o autor. Mas ela deve servir para aumentar o mundo real, não se tornar o substituto.

IRRESISTÍVEL. POR QUE VOCÊ É VICIADO EM TECNOLOGIA E COMO LIDAR COM ELA

Tradução: Cássio de Arantes Leite

Editora: Companhia das Letras (296 págs.; R$ 49,90)

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